A ascensão da mentefatura
Com o Relatório da Competitividade Global 2018, produzido pelo Fórum Econômico Mundial, ficamos com a certeza de que o tema industrialização tem de passar por uma inevitável atualização conceitual.
Estamos acostumados a pensar em métricas como G7, grupo das economias industrializadas; ou referir-se a alguns países em desenvolvimento como meramente produtores de bens primários.
Talvez tal forma de pensar se refira a três grandes revoluções industriais por que já passamos —aquela (primeira) associada à introdução de máquinas a vapor ao longo do século 18; a (segunda) caracterizada por organizações produtivas a partir de métodos como fordismo ou taylorismo, e a (terceira) marcada pela introdução de semicondutores e informatização nos bens finais.
Em cada uma dessas três revoluções não se desafiou com vigor o âmbito das manufaturas como referência para a divisão de setores econômicos. Daí dizer que o setor primário está formado por agricultura, mineração ou extrativismo, o secundário por manufaturas e o terceiro por serviços e comércio. Por essa divisão tradicional, o setor primário fornece matérias-primas para o setor secundário.
É justamente aqui que se localiza uma particularidade da atual fase de evolução econômica. Em vez de simplesmente uma Quarta Revolução Industrial, a presente dinâmica de modelos de negócios e inovação tecnológica nos leva a algo além da indústria. É de maior precisão chamar o movimento em curso de nova transformação econômica.
Isso se deve à constatação de que os novos parâmetros da competitividade —como aponta o estudo do Fórum Econômico Mundial— abrangem indistintamente todos os setores, e não apenas a manufatura.
Nesse contexto, termos como industrialização ou países pós-industriais ganham novo sentido. Muito da literatura sobre estratégias de crescimento esteve centrado na suposição de que a transição de sociedades que tem na agropecuária a ênfase de sua economia para o setor de manufaturas implicava tendencialmente um aumento de renda.
Tal elevação de rendas, hoje, estará menos relacionada à mera industrialização e mais ao conteúdo de valor agregado em uma ou outra atividade. Num quadro industrial em que a automação e robótica são cada vez mais onipresentes, mão de obra locada no setor industrial —se despreparada para interagir com novas ferramentas tecnológicas— experimentará desemprego ou rendas decrescentes.
Estão se desintegrando, assim, as divisões que segmentavam os diferentes setores da economia. Na agricultura, mineração, indústria ou serviços, o que interessa é o grau de valor agregado e componentes tecnológicos.
Em países como Brasil e EUA, reclama-se do fenômeno de desindustrialização. E este conceito está associado à diminuição da fatia relativa que a produção de manufaturas ocupa no âmbito geral do produto interno bruto (PIB).
Para enfrentar tal desafio, é bom ter em mente duas constatações inevitáveis. A primeira, a grande industrialização em vigor hoje no Sudeste Asiático apresenta aspectos de alta tecnologia como na China, onde em muitos setores o país lidera na introdução de robótica e inteligência artificial. A segunda, a região ainda apresenta expressiva manufatura intensiva em mão de obra barata.
Ou seja, a competição para países como Brasil e EUA, se concentrada apenas em industrialização intensiva em custos baixos do trabalho, está fadada a comer poeira de asiáticos como Vietnã, Índia, Indonésia, etc.
A grande aposta é na capacitação tecnológica dos recursos humanos —em uma palavra, no talento. Se bem treinada, mais importante que o conceito tradicional de sua utilização na indústria, é que tais profissionais poderão atuar em qualquer setor da nova economia.
Mais importante que industrialização o desafio é preparar, não importa qual seja o setor, trabalhadores para o mindfacturing. A força-motriz da nova transformação econômica é a mentefatura.