A batalha dos mortos e dos vivos
Nesses 40 anos de publicidade, vi impérios florescerem e ruírem. A diferença no mundo de hoje é a velocidade com que ambas as coisas acontecem. Mas o padrão do declínio, aos meus olhos, segue bastante parecido, permeado por nuances nos diferentes setores.
Não é científico o que vou descrever, nem baseado em data. É baseado em tudo o que vi e senti, nas coisas que passaram pela minha frente e pelas minhas costas, nas coisas que ficaram para trás e que foram para a frente, inclusive nos meus negócios.
Os passos que levam ao fim, seja o fim de um negócio, de um setor, de uma era, de uma vantagem competitiva, começam com um primeiro passo que é negar o futuro. Adoro a palavra inglesa “denial” (negação).
Organizações e pessoas perdem tempo precioso negando um sol nascendo, um novo modelo de negócio, uma disrupção tecnológica. Quando lançamos o iG, em 2000, vivia ouvindo chacota. Para muitos, o modelo de internet grátis parecia uma aberração. Ia às agências vender mídia, e profissionais muito inteligentes perguntavam: “Você acha mesmo que esse troço de internet vai dar certo?”.
Assustador que perguntassem isso no passado, mas mais assustador que perguntem isto hoje: “Você acha que a venda online vai vingar?”. A resposta é Magalu, uma rede de lojas com valor de mercado de mais de R$ 35 bilhões, que tem uma senhora rede física e uma experiencia digital incrível.
A negação consome anos que a empresa podia estar devotando à reinvenção. No pior cenário, pode levá-la ao fim.
A indústria da carne vai gastar um tempo precioso negando empresas de “carne vegetal” como Beyond Meat e Impossible Foods, mas Beyond Meat estreou na Nasdaq semana passada com uma alta de 163% no primeiro dia. E um amigo que sabe tudo desse mercado disse que o sabor do hambúrguer vegano da Impossible Foods é fantástico.
O segundo passo terminal é tentar evitar o futuro com vantagens regulatórias. O consumidor, cada vez mais empoderado e informado, vai ruir esse escudo que o faz pagar mais caro por produtos piores do que os que um mercado aberto e competitivo pode oferecer.
O terceiro passo terminal é tentar replicar o futuro de um jeito antigo, o que é perda de tempo (irrecuperável) e de dinheiro (idem).
Outro passo rumo ao fim é gastar tempo demais com os resultados do trimestre, do dia a dia, e, de tanto focar o resultado, não ter gente suficiente na empresa olhando o vento, a nuvem, o céu.
Fica a pergunta que não quer calar: de que lado você está? Dos vivos ou dos mortos-vivos? A batalha dos vivos e dos mortos-vivos em “Game of Thrones” é a batalha das empresas, dos pensamentos, dos Estados.
E, se você quer sobreviver, é bom saber quem é a Arya Stark da sua empresa, a corajosa personagem da série da HBO, ágil e jovem como uma startup, que mata com sua adaga o Rei da Noite, comandante dos mortos-vivos.
E, antes que eu encerre esta coluna com a soberba dos sabe-tudo, quero revelar um momento em que não dei a devida atenção ao futuro.
Fui convidado para falar sobre o Brasil num evento organizado por Bill Gates. Estavam lá os maiores presidentes-executivos do mundo e gente como Jeff Bezos, Warren Buffett, Martin Sorrell, Barry Diller.
Um sujeito chegou do meu lado e se apresentou: “Oi, sou o Reed Hastings, tenho uma empresa que está começando aqui nos EUA e precisando de ajuda no Brasil”.
Eu não ouvi o cara direito, não dei muita atenção, mas o nome da empresa dele era Netflix.