A era da sinalização
"Sinalizar" vem subindo na vida como poucos verbos. Desde sua criação (sinal + izar), em fins do século 19, quando um surto de derivação tentava dar conta dos novos sentidos criados pela evolução tecnológica, passou muitas décadas com um ar meio técnico.
Significava marcar com sinais ou se expressar por meio deles, e só. As ruas eram sinalizadas, o guarda apitava sinalizando alguma coisa. Até que um dia a sinalização começou a se expandir, e se expandiu tanto que virou moda.
"Sinalizar" é a estrela vocabular de um tempo cujos sinais já não somos tão hábeis em ler, numa falência sinalizada claramente quando atribuímos a esse verbo arrivista tanto peso na comunicação entre governo e governados.
Repare: poucas autoridades brasileiras têm anunciado, dito, sugerido, apontado, indicado, prometido ou acenado (com) isso ou aquilo. Menos ainda são as que especulam, insinuam, desejam, defendem ou no mínimo dão a entender que não descartam alguma coisa. Hoje o pessoal sinaliza.
"Ao chegar ao gabinete de transição, nesta terça, (Paulo Guedes) sinalizou que o nome do próximo presidente do Banco do Brasil ainda não está fechado", leu-se na Folha esta semana. O que só está aqui para ilustrar a banalidade da ocorrência.
Ninguém, ao ler isso, imagina um Guedes amordaçado manuseando cartelas crípticas que os repórteres tinham de decifrar. Sabemos que ele deu aquilo a entender de algum modo, por meio de aceno, silêncio ou desconversa, sem no entanto se comprometer com uma expressão verbal clara.
É inevitável que a abrangência excessiva de "sinalizar" gere imprecisão, mas melhor assim: alguma nebulosidade é sempre funcional no vocabulário político brasileiro, e em momentos de transição de governo, mais ainda.
A história sinaliza que transição é terra fértil para insinuações, balões de ensaio, acenos deixados no ar. Agora imaginem tudo isso elevado a potências insanas por um governo que faz da bateção de cabeça um estilo. Sinalizemos, é o que nos resta.
Porque o fato de estarem na moda não torna esses usos condenáveis. Cuidado, sim, convém ter. Toda palavra que se usa demais cansa, perde vitalidade como instrumento de expressão de ideias. Mas a expansão figurada de "sinalizar" parece ter fôlego para sobreviver ao modismo.
É uma expansão recente, e uma das sinalizações que temos disso é sua ausência dos grandes dicionários. O "Aurélio Século XXI" exibe uma ortodoxia quase admirável: "1. Exercer as funções de sinaleiro. 2. Marcar com sinais. 3. Pôr sinalização em". E nada mais.
O "Houaiss" chega um pouco mais perto do contemporâneo ao registrar a acepção (que destaca como figurada) de marcar, assinalar. Exemplo: "A aprovação desta lei sinaliza novos tempos para a economia".
É pouco diante do buquê semântico frondoso que "sinalizar" ostenta no Brasil. (Embora tenha transcendido em parte o literalismo sinaleiro também em Portugal, não há por lá nada que sinalize o risco de uma epidemia como a que temos aqui.)
Se a ascensão de "sinalizar" é recente, também não é tão recente assim. Estava pronta em fins do século 20, e sabemos disso graças ao admirável "Dicionário de Usos do Português do Brasil" (Ática), de Francisco S. Borba.
Já em 2002 Borba trazia uma boa lista de novas acepções, cada uma com sua frase de abonação colhida na grande imprensa: demonstrar, mostrar, acenar (com), ser indício de, marcar, demarcar. Resta torcer para que a gente saiba ler os sinais.