A insensatez irremediável de um brexit sem acordo
Empresas importantes estão perdendo a paciência com o governo britânico sobre o progresso —ou falta dele— nas negociações sobre a saída britânica da União Europeia (brexit). Faltando apenas dez meses para que o Reino Unido deixe a União Europeia, isso é inteiramente compreensível. A Airbus, por exemplo, ameaçou encerrar completamente suas atividades no Reino Unido, se não surgir um acordo comercial.
O secretário britânico da saúde, Jeremy Hunt, respondeu, absurdamente, que era "completamente inapropriado que empresas façam esse tipo de ameaça". Ele não faz parte do "partido dos negócios?"
Políticos rivais estão competindo pelas preferências de suas bases. Mas alguns deles realmente acreditam que um brexit sem negociação seja uma opção crível, e possivelmente atraente. E pode ser que eles busquem o apoio da organização Economists for Free Trade.
Embora a posição dos membros da organização seja minoritária entre os economistas, é preciso avaliá-la, não só por causa da boa reputação de alguns dos membros, mas também por eles serem influentes nos círculos que favorecem o brexit. Dois estudos recentes —"Análise Econômica Alternativa Sobre o Brexit" e "E Se Não Houver Acordo?"— expõem os argumentos a favor da saída clara ao invés de manter Reino Unido como parte da união alfandegária e do mercado unificado europeus.
Houve extenso debate sobre os melhores modelos econômicos a usar. Em um estudo recente, a organização argumenta que "se as políticas corretas para o brexit forem incorporadas, parece que todos os modelos irão produzir os mesmos resultados — todos concentrados em um avanço do PIB da ordem de 2% a 4%", se o livre comércio for adotado unilateralmente, sob os termos das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
No entanto, esses resultados são o oposto dos obtidos por quase todos os demais economistas. As diferenças se devem às variações nos pressupostos, como disse Alasdair Smith, da Universidade de Sussex, em um depoimento às comissões do tesouro e comércio internacional da Câmara dos Comuns britânica em maio.
São essas as suposições cruciais da Economists for Free Trade: o custo de fazer parte da União Europeia não é a tarifa de 4% compatível com os instrumentos visíveis de política comercial, mas na verdade o equivalente a uma tarifa de 20%, devido a barreiras regulatórias ocultas. Sob um brexit a seco, boa parte dessas barreiras, ou mesmo todas elas, seriam eliminadas.
Além disso, nenhuma tarifa, custo de transação ou custo regulatório adicional incidiria sobre as exportações do Reino Unido, se este operasse sob as regras da OMC. A justificativa para essa extraordinária suposição é que, sob o livre comércio unilateral, os produtores britânicos venderiam em toda parte ao "preço mundial".
Consequentemente, o custo das tarifas e outras barreiras da União Europeia recairia inteiramente sobre os compradores europeus. Outra justificativa é que as regras da OMC proíbem barreiras discriminatórias e eliminam quase todos os custos de transação.
Além disso, o livre comércio unilateral seria equivalente ao livre comércio geral, ou ao menos estabeleceria um limite mais positivo para os benefícios de manter muitos acordos de livre comércio.
Esses pressupostos estão eivados de parcialidades.
Primeiro, a ideia de que as barreiras da União Europeia representam o equivalente a uma tarifa de 20% é altamente questionável. Mesmo assim, vamos aceitá-la. A organização favorável ao livre comércio parece presumir que o Reino Unido vá abandonar grande volume de regras não especificadas, sobre, por exemplo, produtos farmacêuticos, químicos, veículos motorizados, brinquedos e alimentos. Será que o público realmente aceitará a eliminação desses regulamentos teoricamente complicadores?
Segundo, se essa estimativa quanto ao nível de protecionismo da União Europeia é correta, barreiras equivalentes a uma tarifa média de 20% serão impostas às exportações britânicas à União Europeia, na ausência de um acordo comercial. A aparente crença da organização dos economistas de que isso não será custoso depende da ideia de que o maior mercado do Reino Unido não tem poder de mercado. Isso é inacreditável. Diga à Airbus que ela pode vender suas asas livremente a um "preço mundial" conhecido. A ideia de produtos homogêneos comerciados livremente a preços mundiais, em qualquer lugar, é absurda.
Terceiro, a ideia de que comerciar fora da união alfandegária e do mercado único acontecerá sem fricções é implausível. E o mundo dos negócios certamente não acredita nela. Se o Reino Unido, transformado em porto seguro desregulamentado para bens perigosos, deseja exportar, a União Europeia vai garantir que seus regulamentos sejam rigorosamente aplicados. Isso gerará muita fricção, especialmente em curto e médio prazo, como alertam muitas empresas.
Quarto, a ideia de que a OMC será capaz de proteger o Reino Unido é uma ilusão: seu sistema de resolução de disputas é lento e desprovido de poderes; os Estados Unidos estão determinados a destrui-lo, no momento; e, acima de tudo, a União Europeia pode muito bem não encarar como sacrossantos os direitos que a OMC confere a um país que a está deixando sem cumprir suas obrigações. Quem os forçará a mudar de ideia?
Por fim, como aponta Smith, o livre comércio unilateral certamente agravará o choque de ajuste. Em longo prazo, talvez todo mundo se saia melhor, mas esse longo prazo pode se provar longo demais. Adotar o livre comércio do dia para a noite seria um grande choque. Custos como esses jamais deveriam ser ignorados.
Em resumo, a ideia de que um brexit sem acordo traria grandes benefícios a custo próximo de zero é simplesmente inacreditável. O governo já flertou com a ideia de sair sem acordo. Agora deveria esquecê-la.
Tradução de PAULO MIGLIACCI