'A Maldição da Residência Hill' revê clássico e fisga quem foge de terror
É raro o terror que capture quem não é fã do gênero, algo para que é necessário bem mais do que sustos e truques. "A Maldição da Residência Hill", da Netflix, faz isso muito bem.
Restritivo e sempre a milímetros de escorregar para o ridículo, o gênero já foi revirado de tantos jeitos que nos previne de esperar maior ousadia (às vezes ela vem, como em "Corra!", de Jordan Peele).
A graça de "A Maldição", então, está mais na forma como atualiza um clássico do cinema e na opção de trocar sustos a esmo por um roteiro que avança em ritmo seguro e enreda o espectador como Agatha Christie (1890-1976) fazia com seus livros, tijolo a tijolo.
A história se baseia no livro de 1959 de Shirley Jackson, vertido em filme primeiro em 1963 por Robert Wise (diretor de "A Noviça Rebelde" e "Amor Sublime Amor", pois é). A adaptação de 1999 tem Catherine Zeta-Jones, Owen Wilson e Liam Neeson no elenco.
No original, um cientista que estuda atividade paranormal convida três estranhos para dormir na casa supostamente assombrada: a sensitiva Theo; a frágil Nell, que sofre de distúrbios no sono, e o herdeiro Luke. Na estada, a mansão manifesta seu passado sombrio e também o dos antigos moradores, os Crain.
Na versão de Mike Flannagan para a Netflix, Theo, Nell e Luke são irmãos —estes dois, gêmeos—, filhos de Olivia e Hugh Crain, vividos na juventude por Carla Gugino e Henry Thomas, o menino de "E.T.". O casal tem ainda dois filhos mais velhos, Steven e Shirley.
O quinteto de crianças é levado pelos pais para viver na casa que os Crain pretendem reformar e vender. Sai dali poucos meses depois, à sombra de uma tragédia familiar.
Modernizada, a história ganhou dramas pessoais: Theo (Kate Siegel), a sensitiva, é lésbica e foge de relacionamentos; Luke (Oliver Jackson-Cohen, de "Emerald City") é dependente de heroína; Nell (a novata Victoria Pedretti) está em tratamento psiquiátrico.
Russ Tamblyn, que no original interpretou Luke, faz ponta como o psicanalista de Nell.
Os irmãos mais céticos, Steven (Michiel Huisman, o Daario de "Game of Thrones") e Shirley (Elizabeth Reaser, da cinessérie adolescente "Crepúsculo") estão arranjados na vida, ele com o best-seller que escreveu sobre a casa da infância e ela à frente de uma funerária (!), mas tampouco saíram ilesos da mansão Hill.
Habilmente, Flannagan, um especialista em terror, constrói a série intercalando o passado e o presente dos Crain, que se entrelaçam quando os problemas de Nell se agravam, e seus pontos obscuros para os membros da família.
Coloca no meio da trama seu clímax, a moça-do-pescoço-quebrado que visita Nell, e não no fim, como é praxe —talvez por isso o quinto e o sexto episódio beirem o genial.
A direção é discreta e aposta mais no suspense psicológico do que no sobrenatural, reforçada por uma câmera que rodeia os personagens repetidamente a sublinhar a sensação de confusão.
Assegura, também, que o enredo não se perca nas cenas soltas de medo puro que poluem o gênero, sem contudo nos privar de surpresas.