A matemática, que nada sabe de observação
O filósofo Auguste Comte (1798-1857), fundador do Positivismo, acreditava que a ciência é a "investigação da realidade". E colocava a matemática no topo: "É pelo estudo da matemática, e somente por esse meio, que se pode formar uma ideia correta e aprofundada do que se entende por ciência".
Esse ponto de vista, que faz do método matemático o modelo e objetivo de toda investigação científica, é recebido de modo distinto. Matemáticos tendem a repeti-lo sempre que possível; colegas de outras áreas têm menor entusiasmo.
Um dos críticos mais ferozes foi o biólogo Thomas H. Huxley (1825-1895), autodidata e debatedor temível. Tendo aderido às ideias de Charles Darwin (1809-1882) sobre a evolução, defendeu-as com tanto vigor e paixão que acabou conhecido como o "buldogue de Darwin".
Os dois naturalistas também tinham em comum o fato de saberem quase nada de matemática. Enquanto Darwin lamentava a ignorância, Huxley se irritava.
Em artigo na revista Fortnightly Reviews, Huxley apresentou uma visão caricatural: "O matemático começa com algumas afirmações tão óbvias que são chamadas autoevidentes, e o resto do trabalho consiste em deduções sutis a partir delas". E ridicularizou Comte: "Quer dizer que o único estudo que pode dar 'uma ideia correta e aprofundada do que se entende por ciência' é justamente esse (a matemática) que não sabe nada sobre observação, experimentação, indução ou causalidade?".
A refutação a Huxley ficou a cargo do matemático James J. Sylvester (1814-1897). Sylvester começou por afirmar a admiração por Huxley, mas disse que pessoas inteligentes também erram ao falar do que não entendem.
Sylvester não chega a explicar satisfatoriamente de onde vêm as ideias matemáticas: do mundo real ou da dedução pura? No primeiro caso, como pode a matemática ser rigorosa? No segundo, como pode descrever a realidade? O Nobel da física Eugene Wigner (1902-1995) debruçou-se sobre isso em "A Efetividade Nada Razoável da Matemática nas Ciências Naturais", de 1960. As respostas intrigam os pensadores até os nossos dias.