A política da esperança contra a política do medo
Políticos carismáticos convencem pessoas desiludidas a lhes dar apoio. Alguns desses políticos gostariam de ser déspotas. Outros são calhordas. Mas seu canto de sereia é atraente. Como os políticos de centro-direita e centro-esquerda, e as pessoas que os apoiam, deveriam reagir, então?
É preciso que reconheçam que a luta será feroz. Uma imensa crise financeira, que deixou um sabor amargo, solapou a confiança em quase todas as elites. Além disso, como escreveu Jonathan Swift, "a falsidade voa, e a verdade claudica atrás dela". O que Swift teria a dizer de uma mídia como a nossa? Mas a democracia liberal sobreviveu aos grandes desafios dos anos da guerra fria e do período entre as guerras. Como argumentam Torben Iversen e David Soskice em "Democracy and Prosperity", o fator de estabilização foi uma prosperidade amplamente compartilhada. Sem isso, tudo está perdido, especialmente diante da queda da confiança na democracia.
Assim, como renovar a esperança?
Primeiro, a liderança faz diferença. A política democrática não gira apenas em torno de comprar votos, mas de persuadir as pessoas. Donald Trump pode ser um político inexperiente. Também pode ser uma pessoa amplamente detestada. Mas sabe como motivar seus partidários, porque sabe como contar uma boa história. Um político sem histórias a contar perde. Os grandes políticos são sempre grandes contadores de histórias, de Péricles de Atenas a Franklin Roosevelt.
Segundo, a competência importa. Importa muito menos, no curto prazo ao menos, para os demagogos de direita ou de esquerda. A política deles é oposicionista, mesmo quando estão no poder. A competência é menos exigida. Mas os políticos de centro precisam saber - e demonstrar que sabem - o que estão fazendo. Isso é particularmente importante logo depois que líderes desse tipo cometem grandes erros, o mais grave dos quais foi a crença em que os mercados financeiros são estáveis e as pessoas que neles operam sabem o que estão fazendo. Esses erros se provaram desastrosos.
Terceiro, a cidadania importa. Uma democracia é uma comunidade de cidadãos. O senso dos direitos - e deveres - dos cidadãos é a fundação de uma democracia bem sucedida. Sem a ideia de que os cidadãos vêm em primeiro lugar, não pode haver comunidade nacional.
Nas democracias modernas, o Estado de bem-estar social é uma expressão prática de cidadania. Mas o mesmo pode ser dito sobre políticas públicas que dão a todos os cidadãos a oportunidade de participar e se beneficiar da - vida econômica. Estrangeiros também podem participar de forma útil. Mas a imigração sempre deve ser administrada, se o objetivo é que ela seja considerada justa e politicamente aceitável.
Quarto, a inclusão importa. É notável que, de acordo com um indicador bem conhecido, o "coeficiente Gini", a desigualdade das rendas de mercado não seja especialmente elevada nos Estados Unidos. Mas a desigualdade da renda disponível (depois dos impostos e despesas) é muito maior, em termos relativos. Esse resultado, portanto, é uma opção política.
Quinto, a reforma econômica importa. Como Paul Collier argumenta em "The Future of Capitalism" e Colin Mayer argumenta em "Prosperity", precisamos de uma reforma da tributação e da estrutura corporativa, se desejamos criar uma sociedade economicamente bem sucedida e mais inclusiva. É particularmente importante tributar os rentistas e promover maior concorrência. Como argumentam Jonathan Tepper e Denise Hearn, em "The Myth of Capitalism", o declínio na competição é uma grande preocupação. Isso não justifica uma economia socialista: sabemos que essa ideia não funciona. Mas justifica mercados melhores.
Sexto, questões locais importam. Interessantemente, esse é tanto o tema do livro de Collier quanto o de "The Third Pillar", o novo livro de Raghuram Rajan, antigo presidente do banco central indiano. Os dois falam sobre comunidades. Descentralizar decisões, e dar às comunidades uma maneira de se revitalizar, precisa ser parte das novas políticas.
Sétimo, os serviços públicos importam, mesmo que as pessoas em geral não gostem de pagar os impostos necessários a bancá-los. O que é mais exigido varia de país a país. Mas a ideia libertária de um Estado mínimo que deixe tudo ao livre mercado não só é impraticável como incompatível com a democracia. Políticos de centro têm argumentos poderosos em seu favor ao defender os serviços públicos de que as pessoas dependem.
Oitavo, a globalização administrada e a cooperação mundial ainda importam. Nenhum país é uma ilha. Dependemos de ideias, recursos, pessoas, bens e serviços de outros países. Isso é verdade mesmo no caso de países muito grandes.
Os argumentos políticos, econômicos e morais em favor de regras estáveis e previsíveis para reger essas interações são ainda mais fortes agora do que durante e logo depois da Segunda Guerra Mundial, quando elas foram incorporadas a um novo sistema mundial.
A soberania nacional importa. Mas não é só o que importa. Isso se aplica ainda mais à administração dos bens comuns planetários. A cooperação entre países não é opcional, quanto a isso. É absolutamente essencial.
Nono, pensar no futuro importa. Vivemos em um mundo de grandes desordenamentos em longo prazo - especialmente o aquecimento global, a inteligência artificial e a ascensão da Ásia. Bons governos devem avaliar o que essas coisas significam para seus povos e o mundo. Se as democracias não conseguirem pensar no futuro dessa maneira, terão fracassado. O Estado-partido chinês certamente afirmará isso.
Por fim, a complexidade importa. O grande humorista americano H.L. Mencken disse que "para todo problema complexo, existe uma resposta clara, simples e errada". É isso que os demagogos carismáticos oferecem. Os conselhos dos especialistas podem facilmente ser improcedentes. Mas os tecnocratas têm reputações a perder. Um político que dependa da ira popular e de caprichos despóticos certamente cairá.
A única questão é como. A resposta certa tem de ser uma política que baseie a esperança no realismo. Essa é á única forma de política democrática que vale a pena fazer. Ela terá sucesso no mundo atual? Possivelmente não. Mas tentar fazer a coisa certa é a única maneira de dar ao mundo a melhor chance de um desfecho positivo.
Tradução de Paulo Migliacci