A raiva venceu. Apertará confirmo dia 28?
Para parafrasear um slogan que se tornou viral, como se diz hoje, o resultado do primeiro turno pode ser lido como a raiva venceu a esperança (ou qualquer outro sentimento positivo).
Pensando bem, não é que a raiva venceu no domingo. Na verdade, ela já vinha vencendo antes, desde pelo menos 2013, o ano dos grandes protestos contra, basicamente, tudo o que está aí. O brasileiro que foi às urnas, conforme mostrou o Datafolha uns dias antes, estava na maioria com raiva (68%), triste (79%), desanimado (78%) ou inseguro (88%).
Depositou esses sentimentos nas urnas em favor do que o Financial Times desta segunda-feira (8) chama de “resposta brasileira ao presidente americano Donald Trump e o homem forte filipino Rodrigo Duterte".
Em outro texto, o colunista Gideon Rachman coloca o triunfo de Bolsonaro (no pressuposto muito lógico de que ele vencerá no segundo turno) em uma perspectiva global: “A ascensão de Jair Bolsonaro não é apenas uma novela brasileira. É um evento de significado global, o mais recente capítulo em uma história em andamento sobre a destruição das normais liberais e a ascensão do populismo".
Rachman alinha Bolsonaro a uma lista com Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), Narendra Modi (Índia), Recep Tayyip Erdogan (Turquia), Rodrigo Duterte (Filipinas), Viktor Orban (Hungria) e, naturalmente, Donald Trump (acho que o líder indiano ainda não faz parte desse time, mas passemos adiante).
A propósito: Trump teve, no voto popular, os mesmíssimos 46,1% que Bolsonaro recebeu no domingo.
A diferença, entre os dois, é que Trump recebeu os votos dos que se sentiam excluídos da tal de globalização, na esperança de que ele os incluísse. Já Bolsonaro surfou em uma onda de raiva contra os políticos de modo geral e o PT em particular.
A “onda de direita", conforme a classificou com precisão a manchete da Folha nesta segunda-feira (8), torna altamente improvável que Fernando Haddad se recupere e supere Bolsonaro no turno decisivo.
É razoável supor que a rejeição ao PT não vá diminuir o suficiente para que Haddad feche a brecha de 16 pontos percentuais que o separou de Bolsonaro.
Uma rejeição que tem raízes um tanto em preconceito contra Lula, um operário que ousou chegar à Presidência da República e terminar aprovado por 85% dos eleitores, conforme o Datafolha. Mas é uma rejeição que se assenta mais ainda nos pecados mortais cometidos pelo partido, alguns deles alinhavados na coluna desta segunda-feira de Celso Rocha de Barros, um raro simpatizante do partido que não perdeu a capacidade de pensar.
Rocha de Barros recrimina com palavras duras “o discurso imbecil contra a Lava Jato ou a favor do vagabundo Nicolás Maduro” (lembro que cansei de cobrar do PT, inutilmente, que deixasse de ser sócio de uma ditadura, ainda mais de uma ditadura fracassada).
O colunista cobra ainda um programa que reconheça a necessidade de ajuste fiscal, que deixe de lado “toda palhaçadinha de nova Constituição, controle da mídia e demais babaquices que intelectual petista burro enfiou no programa de governo porque estava com raiva do impeachment".
Se um simpatizante petista enxerga dessa forma impiedosa o comportamento do partido, é fácil imaginar a raiva com que os antipetistas o encaram e a desconfiança dos não-petistas (são duas raças diferentes, embora a maioria dos petistas ache que quem não crê no partido é igualmente infiel e deve ser execrado).
Por isso mesmo, não é impossível mas é improvável a reversão do quadro.
Por extensão, convém que os brasileiros dêem uma olhadinha em como andam as coisas nos países governados pelos contraliberais citados por Rachman. Sempre é bom preparar-se para o que pode vir por aí.