A semana do presidente
Em 27 de fevereiro de 1994, o ministro da Fazenda do governo Itamar Franco foi escalado para ir ao "Programa Silvio Santos" explicar como iria funcionar a URV (unidade real de valor), que entrou em vigor em 1º de março de 1994. A medida preparava o país para a adoção do real, que ocorreu em 1º de julho daquele ano.
Em uma entrevista à BBC, agora em abril, Fernando Henrique Cardoso se recordou daquele encontro com Silvio Santos, 25 anos atrás. "Ele estava numa salinha fazendo maquiagem e me chamou lá. Ele me dizia: 'Repete'. E eu repetia. Ele: 'Ih, vai ser um desastre. Ninguém vai entender nada'."
Prossegue FHC: "Saímos de lá e entramos no auditório. Ele me disse: 'Minha audiência tem idade mental de 12 anos. Média.' Ele foi lá e deu um show. Ele explicou, muito mais apropriadamente do que eu seria capaz, para o auditório dele, o que era o Plano Real, a URV, não sei o quê."
Quatro anos antes, em 18 de março de 1990, ao receber Zélia Cardoso de Mello, Silvio também ajudou a ministra da Economia a traduzir o Plano Collor para a sua plateia. "Precisamos sair dessa escravidão causada pela inflação e assim nós vamos chegar à Terra Prometida", disse o apresentador.
Neste último domingo (5), com a missão de auxiliar Jair Bolsonaro a defender o projeto de reforma da Previdência, Silvio voltou a usar a carta da inflação para alarmar a sua plateia.
Ao lado do presidente, o apresentador disse: "Quando o Brasil não tiver mais dinheiro para pagar as pessoas aposentadas, vai fazer dinheiro. Aí entra a inflação. Começando a inflação... Lembra quando os preços mudavam três vezes por dia? Inflação é muito ruim".
Cordial, como sempre, Silvio chamou Bolsonaro de "simpático e boa pinta". E estendeu a conversa a assuntos da vida privada. Ao falar da filha mais nova do presidente, que tem oito anos, brincou: "Quando você sai com ela, o pessoal fala: Olha, lá vai o vovô com a neta".
O presidente respondeu: "De forma bastante brincalhona, eu falo que é uma prova que ainda estou na ativa, sem aditivo". O dono do SBT entendeu a alusão e riu: "Ah, deixa de conversa fiada. Não vem contar mentira aqui, não".
Mais amena ainda foi a conversa de Bolsonaro com Luciana Gimenez, dois dias depois, na RedeTV!. A apresentadora não fez nenhuma pergunta mais difícil e o encheu de elogios ao longo de 52 minutos. Também enalteceu a mulher e os filhos do presidente, além de se recordar com carinho das 11 participações do então deputado federal em seu programa, entre 2010 e 2018. "A gente se divertia", disse ela.
O excesso de amenidade nos programas do SBT e da RedeTV! ocorreu na mesma semana em que, questionado por jornalistas em Brasília sobre a crise entre duas alas do seu governo, Bolsonaro disse: "Estamos numa guerra".
Só mais uma coisa. No início de março, em artigo na Folha, o presidente do Grupo Silvio Santos, Guilherme Stoliar, havia reclamado: "Começamos o ano e a receita ainda está menor do que em 2018, especialmente pela falta das verbas de governo".
Nesta semana, o Meio & Mensagem informou que, além de deslanchar uma campanha institucional em várias mídias, o governo também vai promover a reforma da Previdência por meio de merchandising.
Segundo a publicação, dedicada ao mercado publicitário, o governo recorrerá aos seguintes apresentadores de TV para fazer o merchan: Ratinho (SBT), Luciana Gimenez (RedeTV!), Milton Neves e José Luiz Datena (Band), Rodrigo Faro, Ana Hickmann e Renata Alves (Record).
É possível imaginar que nos próximos meses teremos a oportunidade de assistir ao presidente em outros encontros cordiais na televisão.