A vitória da polivalência

Além de ter interrompido a série de conquistas de prêmios de melhor do mundo de Cristiano Ronaldo e Messi, dominantes desde 2008, a vitória de Luka Modric no The Best significa o triunfo da polivalência.

Diferentemente do português e do argentino, sem dúvida os melhores deste início de século 21, o croata não é um superartilheiro, bem longe disso.

Em toda a temporada 2017/2018, Modric marcou apenas cinco gols, dois pelo Real Madrid e três pela seleção da Croácia, dois deles na Copa do Mundo da Rússia, na qual o país foi vice-campeão.

Tanto Cristiano Ronaldo, segundo colocado na eleição da Fifa, como o egípcio Mohamed Salah, terceiro, anotaram quase dez vezes mais: 54 gols cada um no mesmo período de 12 meses.

Aos 33 anos, Modric, apelidado de Mago, é o protótipo do jogador moderno, que todo treinador gostaria de ter no time.

Inteligente, lúcido, criativo, disciplinado. Rápido no raciocínio, ótimo nos passes (curtos e longos), incansável, jogando de área a área todo o tempo (qualidade essencial, que o diferencia de Messi). Marca e ataca com a mesma eficácia, tem visão de jogo privilegiada, dribla somente quando necessário, cobra bem faltas e escanteios.

Tem, é verdade, algumas poucas deficiências: chuta pouco a gol (poderia arriscar mais, pois sabe fazê-lo), é fraco no jogo aéreo, por ser baixo (1,72 m) e não ter grande impulsão, e leva desvantagem no corpo a corpo, por ser franzino e leve (66 kg).

Deficiências que não impediram o colégio eleitoral da Fifa (capitães das seleções, treinadores das seleções, jornalistas e internautas) de o colocarem acima dos concorrentes, possivelmente influenciados por Modric ter faturado no mês passado o prêmio da Uefa de melhor jogador da Europa.

Modric com a esposa, Vanja, e os filhos, Ivano e Ema, na cerimônia do prêmio The Best deste ano (John Sibley – 24.set.2018/Reuters)

É inegável que a Copa do Mundo fez a diferença a favor dele.

O camisa 10 e capitão da Croácia simbolizou o histórico e inédito desempenho da seleção de camisa quadriculada, que derrotou a Argentina de Messi na fase de grupos e superou três prorrogações e duas disputas de pênaltis no caminho até a decisão, na qual perdeu da França.

Se não houvesse o Mundial, Modric não venceria o prêmio The Best, que muito provavelmente estaria engordando a extensa galeria de troféus de Cristiano Ronaldo.

A temporada do português foi excelente: campeão da Champions League com o Real Madrid, assim como Modric, artilheiro dessa competição (15 gols), autor de um golaço de bicicleta contra a Juventus (seu atual time) também na Liga dos Campeões, quatro gols por Portugal na Copa do Mundo.

Assim, não deixa de ser uma surpresa a conquista do croata, já que a polivalência não é característica historicamente levada em conta para a escolha do melhor do mundo – os espanhóis Xavi e Iniesta e o italiano Pirlo, todos gênios do meio-campo, são exemplos.

O único jogador que se aproxima desse perfil a ganhar a eleição da Fifa é Lothar Matthäus, capitão da seleção alemã campeã em 1990, na Copa da Itália.

Matthäus, que era mais forte fisicamente que Modric e marcava mais gols (gostava de arriscar de fora da área, com seu chute potente), conquistou o troféu em 1991, há quase três décadas, justamente no ano em que a Fifa inaugurou seu prêmio.

Depois disso, até esta segunda (24), quando Modric foi coroado, apenas meias-atacantes e atacantes foram os escolhidos, entre eles os brasileiros Romário, Ronaldo Fenômeno, Rivaldo e Kaká.

Houve uma única exceção: o zagueiro Fabio Cannavaro venceu em 2006, ano em que capitaneou a Itália campeã na Copa da Alemanha.

Modric faturou o prêmio de melhor jogador da Copa do Mundo, o prêmio de melhor jogador da Uefa e o prêmio de melhor do mundo da Fifa.

Ainda resta um: a tradicional e cobiçada Bola de Ouro, da revista France Football, entregue desde 1956 e cuja premiação deve ocorrer em dezembro.

Leia também: Falta de brilho deixa brasileiros fora do The Best

Em tempo: Marta, mais uma vez, faz história. Após um hiato de oito anos, a brasileira voltou a ser escolhida a melhor do mundo. Nunca um jogador, homem ou mulher, chegou ao topo depois de tanto tempo longe dele. A espetacular jogadora, hoje no Orlando Pride (EUA), está com 32 anos.

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