Acordo entre EUA e União Europeia ameaça negociações com o Mercosul

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o chefe da União Europeia, Jean-Claude Juncker, anunciaram nesta quarta-feira (25) um acordo para iniciar negociações rumo a um ambiente comercial com "zero tarifa".

O acerto é uma significativa guinada para arrefecer a disputa comercial entre as duas potências econômicas.

Para especialistas, se por um lado a trégua abre espaço para a economia global manter o crescimento, por outro ameaça o agronegócio do Brasil e as negociações do acordo entre União Europeia e Mercosul.

Entre as medidas acertadas por Trump e Juncker está o compromisso dos europeus de comprar mais soja dos EUA.

"Eles vão começar quase que imediatamente", disse Trump, ao se referir à promessa de compra de "muita soja" pelos europeus.

"Nós podemos importar mais soja dos EUA, e assim será feito", afirmou Juncker, que preside a Comissão Europeia, braço executivo da UE, durante o anúncio do acordo.

Nas últimas seis safras, o Brasil foi o principal fornecedor de soja à Europa. Isso pode mudar se a promessa feita nesta quarta se cumprir.

A questão envolvendo o Mercosul é mais complexa.

A primeira impressão do governo brasileiro é que a negociação aberta por Trump e Juncker não deverá prejudicar as conversas entre os blocos.

A discussão entre União Europeia e Mercosul está na reta final, e há a expectativa de que os países possam chegar a um acordo em reunião marcada para setembro, no Uruguai.

Um alto negociador do Brasil disse à Folha que, antes da posse de Trump, União Europeia e EUA negociavam um acordo de livre-comércio e, em paralelo, os europeus conversavam com o Mercosul.

Em sua avaliação inicial, o equilíbrio de forças do comércio global não se altera de forma a minar a negociação com os sul-americanos.

Alguns especialistas, porém, temem exatamente o contrário: que uma aproximação entre americanos e europeus represente a mais nova ameaça ao acordo costurado há mais de 20 anos entre Mercosul e o bloco europeu.

"No fundo, o que parece é que os EUA retomaram a negociação de um acordo comercial com a União Europeia. Já o Brasil está negociando via Mercosul um acordo com os europeus que não sai do lugar. É um ou outro", diz José Augusto de Castro, presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil).

A questão, diz Castro, é que a União Europeia pode querer reduzir o ritmo da já lenta negociação com o Mercosul, de olho num acordo mais interessante com os americanos.

Além disso, diz Castro, Brasil e EUA exportam um mix de produtos agrícolas muito semelhante —com destaque para produtos como soja, carne, açúcar e suco de laranja.

No caso da soja em grãos, cerca de 80% das exportações do Brasil vão para a China —que, em guerra com os americanos, continuaria dando preferência ao Brasil. Mas, na competição para vender outros produtos, diz, o Brasil poderia ser seriamente afetado.

"No fundo, no fundo, o principal concorrente do Brasil no mundo são os EUA, que só não vendem café", diz Castro.

Os riscos, afirma ele, estão concentrados no médio prazo porque o Brasil pode ficar isolado comercialmente pela União Europeia, que passaria a comprar mais carne, açúcar e suco de laranja dos EUA.

Um outro ponto é que, caso haja tarifa zero, a soja americana pode se tornar mais barata do que a brasileira, reduzindo a competitividade do Brasil.

"É uma primeira impressão, já que não há detalhes. É um armistício entre dois gigantes fortíssimos, e nós somos espectadores coadjuvantes", diz.

O ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa concorda com Castro.

"A negociação do Mercosul com a União Europeia não avançou justamente em razão das cotas agrícolas de que europeus não abriam mão. É possível que não tenham avançado na área agrícola à espera dessa conversa com os EUA", afirma Barbosa.

Para ele, ainda que seja considerada uma possibilidade mais remota, uma composição dos EUA com os chineses poderia tornar o cenário ainda mais desfavorável ao Brasil.

A redução da tensão comercial entre as duas das maiores economias do mundo também foi celebrada por especialistas e deve ajudar o crescimento global.

"A economia global só pode se beneficiar disso", afirmou a diretora-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Christine Lagarde.

Por ora, nenhuma tarifa foi suspensa ou eliminada. As conversas apenas estão no começo.

Trump e Juncker, porém, prometeram congelar novas iniciativas e rever as sobretaxas de aço e alumínio, bem como as medidas retaliatórias que foram impostas na sequência.

O objetivo é chegar a um ambiente comercial sem tarifas, sem barreiras e sem subsídios para bens industriais.

É uma mudança significativa após meses de tensão e troca de farpas, que começaram quando Trump impôs tarifas ao aço e alumínio, no início deste ano.

Medidas retaliatórias se seguiram, acompanhadas de acusações de "puro protecionismo" e taxações a produtos tipicamente americanos, como calças jeans, uísque e motos Harley-Davidson.

A briga entre as duas economias gerou tarifas a US$ 23 bilhões (R$ 85,36 bilhões) em produtos. As alíquotas variam de 10% a 25%.

No anúncio, Trump e Juncker destacaram que representam quase metade do comércio global e que precisavam caminhar rumo a objetivos comuns.

"Eu acho que nós temos de falar um com o outro, e não do outro", afirmou Juncker.

O representante europeu apelou às origens do relacionamento com os EUA.

Ele entregou a Trump uma foto de um cemitério militar em Luxemburgo, onde está enterrado um general americano que comandou os aliados no famoso "Dia D", na Segunda Guerra.

"Caro Donald, vamos nos lembrar de nossa história em comum", escreveu Juncker, no verso da foto.

A união das duas economias também é vista pela Casa Branca como uma possibilidade de centrar esforços na China e em suas supostas práticas desleais de comércio, como roubo de propriedade intelectual, transferência forçada de tecnologia e excesso de capacidade de produção.

Em discurso, Trump destacou o combate a "distorções criadas por empresas estatais e a subsídios industriais" —características pelas quais o governo de Xi Jinping é conhecido.

Os dois líderes também concordaram em trabalhar juntos para a reforma da OMC (Organização Mundial do Comércio), que já foi chamada de uma catástrofe por Trump.

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