Advogado de atriz que processou Trump é acusado de extorquir Nike
Michael Avenatti, advogado americano conhecido por representar a atriz pornográfica Stormy Daniels em seus processos contra o presidente Donald Trump, chegou a Nova York na segunda-feira, para uma sessão de negociação com executivos da Nike, acreditando que o encontro poderia lhe render milhões de dólares.
Armado de informações delicadas, Avenatti chegou à reunião acreditando estar em vantagem. Saiu dela sob custódia do Serviço Federal de Investigações (FBI).
Procuradores públicos de Manhattan apresentaram acusações de extorsão contra o advogado; ele aparentemente tentou obter milhões de dólares da fabricante de material esportivo em troca de provas que disse deter sobre conduta indevida de empregados da empresa no recrutamento de atletas do basquete universitário.
A detenção de Avenatti, que também foi acusado por procuradores federais da Califórnia de fraude bancária e telegráfica, em um caso separado, foi o mais recente desdobramento na queda espetacular de um advogado conhecido por orbitar e representar diversas celebridades, e que teve papel central em algumas das manchetes mais picantes sobre o presidente Trump.
Em documentos judiciais apresentados na segunda-feira, os procuradores afirmam que Avenatti e um cliente, um treinador de um time juvenil de basquete, haviam ameaçado deflagrar uma onda de publicidade negativa pouco antes do anúncio dos resultados trimestrais da Nike e do início do torneio de basquete decisivo da NCAA, a confederação de esportes universitários dos Estados Unidos. As autoridades afirmaram que Avenatti e o treinador de basquete, supostamente Gary Franklin Sr., do California Supreme, um time de Los Angeles, tinham provas de que empregados da Nike haviam canalizado dinheiro para recrutas, em violação das normas da NCAA.
Franklin não foi localizado para comentar.
Os procuradores públicos afirmaram que Avenatti e o treinador haviam ameaçado divulgar as provas em uma tentativa de danificar a reputação da Nike e seu valor de mercado, a menos que a empresa lhes pagasse pelo menos US$ 22,5 milhões (R$ 89,84 milhões).
Geoffrey Berman, o procurador geral da justiça federal dos Estados Unidos no distrito sul de Nova York, que incorpora Manhattan, declarou em entrevista coletiva que a conduta de Avenatti equivalia a uma "tentativa de extorsão".
"Avenatti recorreu a ameaças ilegais e extorsivas com o propósito de obter milhões de dólares em pagamento de uma empresa de capital aberto", ele disse. "Classificar esses pagamentos como honorários ou como fruto de um acordo extrajudicial não muda o que ocorreu - uma extorsão. Quando advogados usam sua licença de advogar como arma, e como uma forma de extorquir pagamentos em benefício próprio, eles deixam de agir como profissionais da lei".
Avenatti foi libertado na segunda-feira, depois de pagar uma fiança de US$ 300 mil (quase R$ 1,2 mi), e sob diversas condições, entre as quais restrições de viagem. Em uma breve entrevista coletiva depois de ser libertado, Avenatti se declarou "altamente confiante" em que, quando todas as provas forem apresentadas, ele seria "plenamente inocentado, e a justiça será feita".
Advogado veterano na representação de queixosos, Avenatti ganhou fama em março de 2018 ao abrir um processo contra Trump em nome de Daniels, que disse ter tido um caso com Trump e depois recebido um pagamento por seu silêncio, antes da eleição de 2016.
Avenatti se tornou presença constante nos noticiários de TV a cabo, aproveitando o caso de Daniels para ganhar notoriedade como oponente de Trump. Ele chegou até a ser levado meio a sério quando se declarou interessado em buscar uma candidatura à presidência em 2020.
O processo de Daniels, cujo objetivo era invalidar um acordo de confidencialidade, foi descartado por um juiz federal da Califórnia este mês, e um processo separado por difamação aberto contra Trump por Avenatti, em nome de Daniels, foi descartado no final do ano passado. A discussão sobre Daniels, no entanto, continuou a ser um problema para o governo Trump, quando cheques enviados a ela e assinados pelo presidente foram entregues ao Congresso no mês passado pelo ex-advogado pessoal de Trump, Michael Cohen, que se admitiu culpado por acusações que lhe eram movidas em um processo federal.
Em setembro de 2018, Avenatti interferiu nas audiências de confirmação de Brett Kavanaugh como juiz da Suprema Corte. Uma semana antes da confirmação, Avenatti anunciou que tinha uma nova cliente, Julie Swetnick. Ela afirmou ter testemunhado conduta sexual indevida da parte de Kavanaugh e alguns de seus amigos em festas escolares na região de Washington, no começo da década de 1980, quando era estudante universitária em Maryland.
À medida que o destaque nacional de Avenatti crescia, também cresciam seus problemas legais e financeiros.
Ele foi detido em novembro, em Los Angeles, por suspeita de violência doméstica, o que definiu como um esforço para intimidá-lo, mesmo que não tenha sofrido acusações criminais. Seu escritório de advocacia, antes conhecido como Eagan Avenatti, pediu concordata em diversas ocasiões, a mais recente das quais em 7 de março, em Santa Ana, Califórnia.
Os documentos de acusação no caso da Nike também se referem a um cúmplice não nomeado, outro advogado que trabalhava com Avenatti. O advogado em questão é Mark Geragos, de acordo com pessoas informadas sobre o assunto que solicitaram que seus nomes não fossem mencionados, invocando a situação delicada em que se encontram e o fato de que a investigação está em aberto.
Geragos, renomado como advogado de celebridades, é conhecido no mundo do esporte por ter representado o ex-quarterback Colin Kaepernick em seu processo contra a NFL por conluio, encerrado recentemente por acordo. Ele também participou das negociações entre Kaepernick e a Nike em 2017 e 2018, que resultaram em um novo contrato que faz de Kaepernick um dos porta-vozes publicitários mais bem pagos do futebol americano, e tema de uma nova campanha publicitária da companhia.
Geragos não respondeu a telefonemas e e-mails. Berman se recusou a dizer por que Geragos não foi detido. Ele afirmou que a investigação continua.
As autoridades federais anunciaram as acusações mais ou menos ao mesmo tempo em que Avenatti tuitava sobre uma entrevista coletiva que pretendia conceder na terça-feira para acusar a Nike de "um grande escândalo no basquete escolar/universitário". Ao longo dos últimos dias, ele também tinha contatado repórteres para informá-los de que tinha informações explosivas sobre uma grande empresa.
No ano passado, dois ex-empregados da Adidas estavam entre um grupo de pessoas condenadas por participar de um esquema semelhante, delineado pelos procuradores federais do distrito sul de Nova York: famílias de atletas recrutados por universidades recebiam pagamentos em troca da aceitação por seus filhos de propostas de equipes universitárias patrocinadas pela Adidas.
Em comunicado, a Nike afirmou que "não aceitará e nem ocultará informações relevantes para uma investigação do governo. A Nike vem cooperando com a investigação do governo sobre o basquete da NCAA há mais de um ano".
A Nike afirmou que havia contatado os procuradores públicos federais imediatamente, ao ser informada sobre o assunto, e que trabalhou com o escritório de advocacia Boies Schiller Flexner para auxiliar na investigação.
De acordo com pessoas informadas sobre os casos, assim que a Nike foi informada sobre as reivindicações de Avenatti, ela informou as autoridades federais sobre as acusações dele de que empregados da companhia vinham fazendo pagamentos a jogadores. A natureza da discussão com Avenatti trazia a possibilidade de que uma extorsão estivesse acontecendo.
No processo aberto segunda-feira na Califórnia, Avenatti foi acusado de desfalque contra um cliente e de fraudar um banco ao fornecer falsas declarações de impostos para obter empréstimos.
Nicola Hanna, procuradora geral da justiça federal americana em Los Angeles, disse que os dois casos não eram relacionados, mas que as autoridades na Califórnia e em Nova York haviam coordenado a detenção de Avenatti e a execução de mandados de busca simultaneamente.
No caso da Nike, os procuradores federais afirmaram que Avenatti representava um treinador, posteriormente identificado como Franklin, cujo time recentemente não teve renovado um contrato com a Nike, de acordo com documentos judiciais. Avenatti disse à Nike que tinha provas de que pelo menos três jogadores de escolas de segundo grau haviam recebido da empresa pagamentos realizados de forma que permitia mantê-los ocultos, afirmam os documentos.
O California Supreme teve três integrantes escolhidos no draft de 2018 da NBA, entre os quais Deandre Ayton, do Phoenix Suns.
De acordo com os procuradores, Avenatti ameaçou realizar uma entrevista coletiva no momento que causasse máximo incômodo à Nike, antes de seu anúncio de resultados trimestrais na semana que vem e coincidindo com o início do torneio final de basquete masculino da NCAA. O torneio está entre os maiores eventos do calendário esportivo anual dos Estados Unidos, e conta com muitas equipes importantes patrocinadas pela Nike, como as universidades Duke, da Carolina do Norte e do Kentucky.
Avenatti disse que não divulgaria as provas de que dispõe caso a Nike pagasse US$ 1,5 milhão ao seu cliente, ainda que os procuradores não tenham citado Franklin nominalmente. Avenatti também exigiu que a Nike contratasse a ele e a outro advogado para conduzir uma investigação interna, que teria custado entre US$ 15 milhões e US$ 20 milhões, de acordo com os documentos judiciais.
Como alternativa, disseram os procuradores federais, Avenatti disse que aceitaria um pagamento da Nike no valor de US$ 22,5 milhões, para ele e seu cliente, em troca de não divulgar as provas.
De acordo com a queixa, Avenatti disse à Nike que as informações de seu cliente, se publicadas, reduziriam em bilhões de dólares o valor das ações da empresa. Ele acreditava que, assim que o assunto fosse a público, pais, treinadores e jogadores de todo o país o procurariam com informações sobre pagamentos que violam as normas da NCAA.
"A companhia vai morrer - não morrer, mas sofrer corte após corte após corte após corte, e isso vai acontecer assim que isso se tornar público", disse Avenatti em reunião com advogados da Nike que foi gravada em vídeo e áudio.
Nike, Adidas e Under Armour patrocinam dezenas de times de basquete de jogadores de segundo grau, que competem principalmente nas férias de verão. Os fabricantes de equipamentos esportivos destinam dezenas de milhares de dólares em dinheiro e produtos para esses times, e também organizam grandes torneios assistidos pelos principais treinadores de basquete universitário dos Estados Unidos. Mais do que basquete em nível de segundo grau, essas ligas representam um polo central de recrutamento para os programas de basquete universitários.
As acusações de corrupção contra os ex-empregados da Adidas e diversas outras figuras do basquete universitário, em 2017, incluíam treinadores assistentes em algumas das grandes universidades americanas e abalaram o esporte, causando a demissão de Rick Pitino, treinador da Universidade de Louisville que é parte do Hall da Fama do basquete. O caso já resultou em três condenações até o momento, e em diversas admissões de culpa.
Marc Tracy , Kevin Draper e Rebecca R. Ruiz The New York Times