Agências de apoio à pesquisa internacionais defendem ciências humanas
Agências de fomento à pesquisa de 50 países defenderam nesta sexta (3), em evento em São Paulo, o investimento em ciências sociais e humanidades. Segundo as entidades, além de essenciais para o ser humano compreender seu papel no mundo, essas áreas do saber auxiliam na criação de ferramentas —como as mídias sociais— e na resolução de problemas do dia a dia.
Representando 50 países, 52 das principais agências de fomento do mundo se reuniram nesta semana em São Paulo no Global Research Council (GRC). O encontro foi organizado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), pelo Conicet (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas e Técnicas), da Argentina, e pela DFG (German Research Foundation).
“Seria errado, se não desastroso diminuir a importância das ciências sociais no universo de pesquisa e desenvolvimento”, afirma à Folha Molapo Qhobela, diretor da National Research Foundation (NRF), da África do Sul.
O pesquisador sul-africano diz que seu país é um dos mais desiguais do mundo e que as áreas de Stem (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) não são suficientes para solucionar a questão. Até o início da década de 1990 a África do Sul viveu sob regime de segregação racial, o apartheid.
“Nosso entendimento é que se você quiser responder aos reais problemas que as sociedades enfrentam você precisa integrar as ciências sociais, as humanidades, as coisas que nos fazem humanos às outras ciências. Juntá-las e desafiá-las a achar soluções”, diz Qhobela.
Na semana passada, Jair Bolsonaro (PSL) e seu ministro da Educação, Abraham Weintraub propuseram cortes de custos na área de humanas supostamente por questões econômicas. A medida, porém, tem mais relação com ideologia do que finalidade prática, considerando que o número de alunos de graduação de filosofia e sociologia representa só 2% do total nas universidades federais.
No início desta semana, por motivos ideológicos, o governo Bolsonaro também ameaçou bloquear 30% dos recursos orçamentários da UnB, UFBA e UFF. A medida foi considerada inconstitucional por especialistas. O MEC, então, estendeu a todas as universidades federais o bloqueio.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, Weintraub indicou que se tratava de uma retaliação às três universidades inicialmente vítimas do corte por conta de atividades políticas, o que ele chamou de "balbúrdia". Também associou os cortes a um suposto rendimento acadêmico fraco.
Segundo Peter Strohschneider, presidente da DFG, sem as ciências sociais seria impossível a autoobservação dentro das sociedades.
“Há uma convicção compartilhada de que as sociedades modernas não saberiam nada delas mesmas sem as humanidades, e não poderiam prosperar e se desenvolver”, afirmou Strohschneider, durante entrevista coletiva, nesta sexta (3), que marcou o fechamento da reunião anual do Global Research Council.
Strohschneider cita como um exemplo dessas observações a proposta de rebatizar a fase da história da Terra em que vivemos de Antropoceno. “A história da Terra se moveu para uma era de interferência humana em processos geomorfológicos. Não estamos falando de um indivíduo, estamos falando de seres humanos como membros da sociedade. Então, nós precisamos saber algo sobre as sociedades.”
Jorge Tezon, diretor de desenvolvimento científico e tecnológico do Conicet, afirmou que um dos resultados mais palpáveis de áreas ligadas às humanidades está diariamente na ponta dos dedos das pessoas: as mídias sociais, que tiveram seu desenvolvimento influenciado pela linguística.
“Essas mídias e até a interpretação dos problemas que estão surgindo a partir do uso delas são uma questão de ciências sociais”, diz Tezon.
Durante a GRC, segundo Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp e diretor do GRC, foram discutidos alguns dos principais pontos envolvendo agências de fomento, acesso aberto a pesquisas, questões de gênero, mudanças climáticas, financiamento de projetos e diferentes formas de medir o impacto das pesquisas.