Algumas coisas simplesmente não podem ser vendidas
O futebol inglês foi salvo por muito pouco de uma verdadeira tragédia na semana passada, quando o bilionário Shahid Khan retirou uma oferta para comprar o Estádio de Wembley.
De origem paquistanesa, o empresário norte-americano é dono do clube inglês Fulham Football Club e do time de futebol americano Jacksonville Jaguars.
Dizem que Khan queria comprar o icônico estádio para, entre outras coisas, promover mais jogos dos Jaguars em Londres —num trabalho de expansão da NFL pela Europa.
Para tanto, o bilionário fez uma oferta de compra de 600 milhões de libras (quase R$ 3 bilhões) à The Football Association, a federação inglesa de futebol e dona de Wembley.
A cifra pode impressionar os incautos, mas trata-se de uma verdadeira ninharia.
Afinal, estamos falando do estádio mais importante do mundo.
O lugar é tão especial que o grande Pelé contabiliza o fato de nunca ter jogado em seu gramado como a maior frustração de sua vida.
Certa vez, o melhor atleta brasileiro de todos os tempos se referiu a Wembley como “a catedral do futebol” —o local que abriga o coração do esporte bretão.
E, no caso, Pelé estava certo.
Foi lá que a seleção da Inglaterra levantou sua única Copa do Mundo até hoje e onde ficou invicta por décadas.
É lá que acontecem, desde 1923, as finais da Copa da Inglaterra —a competição de futebol mais antiga do mundo.
O velho estádio, com suas famosas Torres Gêmeas, era um pouco desconfortável mas muito especial.
Ele abrigou os mais importantes jogos da história do futebol inglês e shows de música inesquecíveis como o Live Aid, em 1985. Finais de rúgbi, o outro esporte nacional, também foram realizadas muitas vezes por lá.
O novo, inaugurado em 2007, continuou a tradição e vem recebendo praticamente todas as partidas da seleção inglesa em casa.
A região do estádio é associada ao futebol desde a década de 1880, quando Wembley já abrigava peladas em campos improvisados.
Querer importar um esporte estrangeiro para lá é demais.
Os Jaguars já jogam pelo menos uma partida por ano no estádio, o que dá lucro para a Football Association e para Khan. É mais do que o suficiente.
Ampliar o número de exibições dos norte-americanos é absolutamente desnecessário —especialmente se alguma partida de futebol deixar de ser realizada para que um jogo da NFL seja acomodado.
Ou se a seleção inglesa for forçada a atuar em outro campo —por exemplo, em Old Trafford, do Manchester United.
Khan resolveu desistir do negócio porque enfrentou a corajosa oposição de parte do Conselho da Football Association —que não ficou cego pelo dinheiro fácil.
Mas Khan tende a voltar à carga. Ele, como vários outros bilionários e alguns economistas, não entende que algumas coisas simplesmente não podem ser vendidas.
O Estádio de Wembley está no topo da minha lista.
Ele simboliza a alma do futebol, no país que inventou e desenvolveu o esporte.
Vender esta catedral seria um verdadeiro sacrilégio.