Angela Ro Ro e Zélia Duncan arrebatam com shows 'interativos' em festival
Festival com uma das propostas mais singulares da cena musical do país, a sétima edição da Mostra Cantautores segue até sábado (10), em Belo Horizonte, ganhando caráter político e bem-humorado.
O evento reúne cantores que também são compositores em apresentações solitárias no palco, só o artista e seu instrumento. O repertório é autoral, e o formato intimista favorece a conversa com o público e incentiva relatos sobre as histórias por trás das canções.
Com a ressaca da eleição presidencial, o tom político é inevitável, com demonstrações de muita apreensão dos criadores diante dos próximos quatro anos.
Mas esse debate inserido nas apresentações não tem nenhuma sisudez nem amargura. Principalmente quando Angela Ro Ro está no palco.
Escalada para abrir a mostra, no sábado (3), a cantora carioca ofereceu uma noite de música arrebatadora e muita diversão no palco do Cine Theatro Brasil Vallourec, com plateia lotada.
"O copo é o mesmo, mas a bebida mudou", disse Ro Ro, entre goles de água. "Se eu soubesse antes que dava para viver assim, teria feito uma economia danada", completou, fazendo piada com anos e anos de alcoolismo.
Rir de sua própria pessoa parece ser algo tranquilo para ela. Recordou porres, brigas com ex-namoradas e farras adolescentes, dedicou música a Cazuza e lutou bastante contra um pigarro que provocava tosse forte em alguns momentos.
"Gente, que tosse escatológica! E estão filmando o show. Foi uma ideia de jerico me convidarem para vir aqui", brincou.
Na verdade, foi ótima a ideia dos idealizadores e diretores do festival, Luiz Gabriel Lopes e Jennifer Souza, também músicos de intensa produção na cena mineira; o show de Ro Ro não poderia ser melhor abertura para a mostra.
Atacando o piano com vivacidade, a cantora exibiu um repertório com alguma coisa de "Selvagem" (2017), seu álbum mais recente, mas concentrou atenção para músicas do início da carreira.
Conforme as apresentava, relembrava histórias com os artistas que apostaram na então compositora novata e gravaram essas canções, como Marina Lima e Ney Matogrosso.
Difícil dizer o que agradou mais: a performance segura, com uma voz forte apesar do tal pigarro insistente, ou os relatos de morrer de rir. Ro Ro praticamente cruzou a linha entre um show musical e um stand-up de humor.
No final, cantou sua música mais famosa, "Amor, Meu Grande Amor", numa versão consagradora. Deixou o palco ao som de aplausos alucinados.
Depois desse primeiro show, outra plateia voltou ao teatro uma hora mais tarde para conferir Zélia Duncan. Quem comprou ingresso para as duas apresentações pôde ver como elas exibiram uma sintonia perfeita e nada programada. Porque o show de Duncan também teve uma dose imensa de conversa bem-humorada.
Artista que privilegia sempre as letras, "a palavra", como ela mesma admitiu em cena, tratou de criar um roteiro para mostrar às pessoas a força do refrão em suas músicas. Para isso, costurou um show cheio de hits, o que satisfez demais o público, temperando tudo com historinhas.
Assim, seus fãs mineiros conheceram bastidores saborosos da criação musical. Como o dia em que Arnaldo Antunes mostrou a Duncan mais de uma dezena de canções, para que ela escolhesse uma para gravar. Depois de horas de cantoria de Antunes, ela disse: "Quero a primeira". E em seguida cantou "Alma", do ex-Titã, um de seus maiores sucessos.
Falou muito de parcerias e arrancou risos com a origem de "Pagu", escrita com sua musa confessa, Rita Lee. Acreditando numa afinidade entre elas, Lee enviou então a letra da canção, pedindo que Duncan fizesse a música.
"Rita não sabia, mas eu só fazia letras, não compunha músicas. Mas então eu fiz", contou, rindo muito. "Cara, se a Rita Lee te pede uma coisa, você precisa fazer, não tem jeito!"
Por quase duas horas, desfilou sucessos, respondeu a gracejos do público e deu mais uma prova da potência vocal singular. Um show matador.
Um começo ótimo para a programação do evento, que termina no sábado (10), com outro peso-pesado da canção popular, João Bosco. O line-up tem consagrados como Jards Macalé, Cátia de França e Joyce Moreno, e um vasto grupo de nomes em ascensão, entre eles Thiakov, Thiago Corrêa, Juliana Perdigão e Chico Saraiva. Há espaço também para Aline Frazão, de Angola, e Tcheka, de Cabo Verde.
A programação diária, que tem também debates, masterclass e encontros entre público e artistas, pode ser acessada em www.mostracantautores.com.br.