Animais literários

Um colega de ofício chamou Cássio Loredano de “o maior derretedor da figura humana”. De fato, as caricaturas de Oswald de Andrade, Simone de Beauvoir, Saul Bellow, Agustina Bessa-Luís, Elias Canetti, Juan Carlos Onetti, Vladimir Nabokov, Clarice Lispector —entre muitas outras do recente livro “Gente de Letras”— lembram bolas de sorvete se desfazendo sob o sol da praça.

Carioca, vascaíno e caricaturista há mais de 40 anos —15 deles trabalhando na Europa para veículos como El País, La Repubblica, Libération, Frankfurter Allgemeine—, Loredano tem uma preferência: interpretar escritores. Fazendo-lhes a careta.

“Sempre tive confessa predileção por desenhar animais literários. Tirando a ligeira antipatia bastante frequente de sua proverbial vaidade, escritores são em geral fisionomias de maior intensidade e interesse. Retratá-los quase sempre com clara simpatia é capaz de ter sido uma forma inconsciente de retribuir ainda que infimamente as alegrias que há todos esses anos eles me vêm pondo no colo e na alma”, afirma o artista, capaz de fazer e refazer inúmeras vezes o “seu” Machado de Assis, até ficar satisfeito. 

No livro —com lançamento neste domingo (30) no meio da rua do Ouvidor, entre a livraria Folha Seca e o boteco Toca do Baiacu— há dois Machados, o jovem com bigodes de gato e o velho de rosa na lapela. São cerca de 200 retratos, compreendendo a produção dos últimos anos, material publicado nas páginas de O Estado de S. Paulo e revista Veja e no falecido suplemento Prosa & Verso, de O Globo. Loredano é antes de tudo um artista do impresso.

Entre meus desenhos prediletos, está um Juan Rulfo que parece ter saído direto de Comala, o povoado dos mortos-vivos. Ou um Joseph Roth de cara inchadíssima, copo e garrafa ao lado, sentado numa mesa de bar. São caricaturas imprevisíveis, concisas, eficazes, bonitas. E prestes a derreter.  ​

 

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