Aos 39, Scola trabalha mais para não depender da sorte no basquete
Foi em 2007, três anos após a maior glória do basquete argentino, que Luis Scola conquistou para sempre a torcida do seu país. No pré-olímpico de Las Vegas, quando outros astros da seleção que desbancara os EUA em Atenas-2004 abriram mão de participar do torneio, ele esteve lá e liderou um elenco limitado, que garantiu a vaga em Pequim-2008.
“O público sempre o havia reconhecido como um grande jogador, mas se apaixonou quando ele se colocou à frente de uma equipe com poucas possibilidades e conseguiu uma classificação histórica”, afirma Alejandro Pérez, jornalista da ESPN argentina que cobre basquete desde a década de 1990.
Conduzir e servir de exemplo é o que Scola faz até hoje. Aos 39 anos, o ala-pivô é a estrela da seleção que disputa os Jogos Pan-Americanos de Lima. A Argentina enviou sua força máxima ao evento como preparação para o Mundial, que acontece em setembro, na China. Favorita ao título, joga as semifinais do torneio neste sábado (3).
Mesmo com a presença de jogadores como Nicolás Laprovittola, 29, eleito o melhor atleta da liga espanhola na última temporada, e Facundo Campazzo, 28, seu companheiro no Real Madrid e destaque das últimas finais no país europeu, é principalmente por Scola que os argentinos torcem e cantam no Coliseo Eduardo Dibos, ginásio que recebe os jogos de basquete do Pan.
Sua dedicação nos treinamentos e raça exibida em quadra, além do fato de nunca ter virado as costas para a equipe nacional fazem com que seja chamado por muitos de “a alma” da seleção. Scola, porém, é menos inflamado do que aqueles que o amam e discorda do uso dessa expressão.
“Minha dedicação não tem nada a ver com a alma ou qualquer coisa assim", diz à Folha. "Eu trabalho porque gosto, é a minha maneira de sentir o esporte e o profissionalismo. Não vem de nenhum lugar. Eu só gosto de estar preparado e minimizar a parte aleatória do jogo, mas repito: não é uma fórmula para ganhar. É apenas o meu jeito de pensar”.
Natural de Buenos Aires, Scola iniciou sua carreira no Ferro Carril Oeste, clube da capital, e atuou na Espanha antes de iniciar uma passagem de dez anos pela NBA. Nos EUA, defendeu Houston Rockets, Phoenix Suns, Indiana Pacers, Toronto Raptors e Brooklyn Nets.
Em 2017, se transferiu para a China, onde atuou por dois clubes. Está sem contrato desde o fim da temporada 2018/19 e ainda não divulgou se pretende prolongar a carreira após o Mundial. Nos últimos três meses, o veterano se preparou intensamente para o que pode ser o seu último grande torneio pela Argentina.
Como a liga chinesa acabou mais cedo em comparação aos campeonatos da maioria de seus companheiros na Europa, ele chamou um técnico e um preparador físico para trabalhar em particular por 90 dias na quadra que construiu em Castelli, província de Buenos Aires. Não foi a primeira vez que fez isso, segundo disse à imprensa local, mas o fato ganhou destaque nacionalmente.
São comuns relatos de jornalistas que, ao longo da carreira do ala-pivô, o viram treinar arremessos em ginásios ainda com as luzes apagadas, horas antes de uma partida. Não se trata, porém, de um apego nacionalista do atleta.
"Eu gosto de jogar com a Argentina. Sinto-me bem representando o país com a seleção. É por isso que venho há tantos anos. Mas não é algo especial e tampouco faço isso por um sentimento patriótico. É a única camisa que não muda na carreira de um jogador, e estou lisonjeado por poder pertencer durante as duas décadas em que fui convocado”, afirma.
Após a estreia no Pan, em que a Argentina atropelou a seleção uruguaia (102 a 65), alguns jogadores mais novos passaram reto pelas dezenas de jornalistas que pediam uma entrevista. Scola parou e respondeu às perguntas por mais de dez minutos. Mas apesar do placar elástico, era difícil arrancar dele um sorriso.
Único remanescente da chamada geração dourada do país, o ídolo é o elo daquele grupo com os mais jovens, que buscam retomar os anos de protagonismo no cenário internacional.
“A seleção não o pertence tanto quanto antes, mas ele segue sendo uma referência e tem o respeito dos companheiros. Eles entenderam que para seguir sendo parte da seleção argentina devem imitar Scola, dentro e fora de quadra”, diz Pérez.
Para Javier Juarez, do podcast Extrapase, ainda ter Scola na seleção não é um ganho apenas por sua experiência. Com o passar do tempo, o ala-pivô de 2,06 m adquiriu ferramentas ofensivas adaptáveis ao estilo de jogo atual. Por exemplo, reduziu a sua atuação perto da cesta e passou a arriscar mais arremessos de longe.
Juarez e Pérez acreditam que a equipe possa fazer um bom Mundial, mas precisará superar limitações como a inexperiência e a baixa estatura do seu elenco. Caso consiga, esse poderá ser mais um fator a diferenciar Scola no patamar de ídolos do esporte do país.
“O melhor provavelmente é Manu Ginóbli, mas o nome mais importante da história do basquete argentino é Scola, porque ele sempre esteve presente. Todos têm compromisso com a seleção, mas o amor dele é de outra dimensão”, declara Gabriel Casana, 30, torcedor que está em Lima para o Pan.
Porta-bandeira na Olimpíada do Rio-2016, o veterano foi carrasco da seleção brasileira por várias vezes. Nas oitavas de final do Mundial de 2010, marcou 37 pontos na vitória argentina por 93 a 89. Nos Jogos de Londres-2012, também foi o cestinha no triunfo por 82 a 77. Uma rara vitória do Brasil aconteceu nas oitavas do Mundial de 2014.
"Temos jogado grandes partidas com o Brasil em diversas instâncias de torneios há muitos anos. E eu aproveitei. Vencemos e perdemos, mas sempre em um cenário de lealdade. Tenho grande respeito pela seleção brasileira, por sua tradição e sua história”, afirma Scola.
Antes de embarcar para o Peru, ele disse que desfruta da carreira porque logo mais ela terminará. Desfrutar do seu jogo é que o que vêm fazendo amantes de basquete, argentinos ou não, durante essas duas décadas.