Apagão aumenta dolarização da economia venezuelana

O apagão que atinge a parte do território venezuelano desde a última quinta-feira (7) teve como uma de suas consequências o aumento da dolarização da economia do país.

Isso ocorre porque a moeda local, o bolívar, já passava por uma escassez e a maior parte das transações eram realizadas por meio eletrônico. 

A falta de energia, porém, passou a impedir essa alternativa e muitos venezuelanos recorreram a moeda americana para pagar suas contas.  

"Não havia energia e quando ela retornou, tivemos problemas para se conectar ao sistema (internet) e aos bancos. Então vinha gente com dólares e negociamos", disse à agência de notícias AFP Martin Xabier, dono de uma padaria em Catia (oeste de Caracas). 

"Todos aqui fizeram isso", acrescentou Martin, enquanto dezenas de pessoas faziam fila para comprar pão enquanto a luz voltava aos poucos. 

Do outro lado de Caracas, em Altamira, uma mercearia permaneceu com suas portas fechadas, mas uma pessoa anunciava em voz alta no local: "aqui só dinheiro é aceito, bolívares ou dólares". 

Uma mulher que estava esperando para comprar leite para o neto chorava no local. "Eu não tenho ninguém para me enviar dólares, como faço isso?", disse ela. 

No mercado de Chacao, a moeda americana também reinou.

"Muitos pagam com dólar. Tivemos que cobrar em efetivo e as pessoas não têm bolívares e, se tivessem, precisariam de um carrinho de mão para carregar as notas", disse Maria del Carmen Pereira, dona de uma delicatessen.

Desde agosto do ano passado, quando o ditador Nicolás Maduro declarou uma desvalorização de 96% no valor oficial do bolívar, a moeda já caiu mais 98%, sendo negociada atualmente a um câmbio de 3.000 bolívar por US$ 1. A projeção do FMI (Fundo Monetário Internacional) é que a inflação no país chegue a 10.000.000% até o final do ano. 

Com isso, o valor do salário mínimo representa menos de US$ 6 e a moeda americana tem ganhado terreno no uso cotidiano na Venezuela.

Mas milhões de venezuelanos não têm acesso a moedas estrangeiras, o que gera uma extrema desiguldade no país, de acordo com o economista Asdrúbal Oliveros, diretor da consultoria Ecoanalítica.

Segundo estimativa da consultoria, no final de 2018 um terço dos venezuelanos vivia de remessas enviadas por seus parentes no exterior, que este ano chegariam a cerca de US$ 2,4 bilhões (R$ 9,15 bilhões).

Pelo menos 50% da população depende de subsídios estatais e o restante vive do trabalho no setor privado. Cerca de 3,4 milhões de venezuelanos residem no exterior atualmente, sendo que a maioria parte fugiu da crise atual. 

"A inflação é a principal causa da dolarização. Este episódio traumático, talvez, pode ter acelerado a sua utilização, com mais gente disposta a fazer e receber pagamentos em dólares. Mas a tendência já era irreversível", disse à AFP Henkel Garcia, diretor da Econometric.

Refletindo essa tendência, muitas pessoas preferem cobrar seus serviços em dólares e algumas empresas começaram a pagar salários e bônus em moeda estrangeira para evitar a fuga de funcionários, aproveitando a flexibilidade de um controle cambial estabelecido em 2003.

Volta de energia

Desde segunda (11) a energia começou a retornar em parte do país e está praticamente normalizada em Caracas, mas o fornecimento ainda é intermitente nas regiões ocidentais, mais afetadas pelo apagão.

"Aqui estão cobrando tudo em dólar: queijo, bananas, pão, cargas para telefone celular (feitas onde há pequenos geradores), gelo", disse à AFP Roxana Peña, 26, em Maracaibo, capital do estado petrolífero de Zulia.

Na cidade, que registrou uma onda de saques, houve longas filas para comprar blocos de gelo de cerca de 40 centímetros por US$ 5. "Muitas pessoas não têm como pagar", disse a professora Márgara Bermúdez.

Na terça-feira (12), o líder opositor Juan Guaidó —reconhecido por mais de 50 países como presidente interino da Venezuela— afirmou que Maduro "não pode garantir nem água, nem eletricidade, nem remédio. Nem mesmo uma moeda decente para comprar comida". 

O ditador acusa Guaidó de estar envolvido em "ataques cibernéticos" e "eletromagnéticos" dos Estados Unidos para sabotar o sistema elétrico, mas especialistas culpam o governo pela falta de investimento em infraestrutura e pela corrupção que atinge o setor.

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