Após pedido de linha direta com Hilda, centro espírita diz que o telefone só toca de lá pra cá
Quem é vivo sempre aparece. Já os mortos são mais caprichosos. "Chico Xavier explicou que 'o telefone toca de lá pra cá'. Não depende de a gente querer. O espírito pode não ter condições de se comunicar ou não querer", explica-me um dirigente do Centro Espírita Paraty Allan Kardec, quando pergunto se podemos tentar uma linha direta com Hilda Hilst.
A Flip nasceu em 2003, um ano antes de morrer, aos 73, a escritora que hoje o festival homenageia. Em vida, Hilda fez várias tentativas de contato com os mortos. "Povo cósmico, vocês que são meus amigos, queria falar com Kafka, com Camus...".
Em vão. "Estou aqui como uma debiloide, e as vozes de vocês, inaudíveis. Feliz Natal", lamuria-se em gravações que polvilham o documentário "Hilda Hilst Pede Contato".
O "povo cósmico" não cativou apenas a autora que a Deus atribuiu codinomes como Inteiro Desejado e Porco-Menino. "Ergo-me com dificuldade/ Sentindo a presença dele/ Do morto Mário de Andrade", dedilhou Vinicius de Moraes no poema "A Manhã do Morto".
"Vinicius nunca escondeu sua condição de médium", escreve Ubiratan Machado em "Diálogo com o Invisível". Certa vez, Carlos Drummond de Andrade propôs a invocação do espírito de Mário. Que Mário? Ninguém com esse nome se manifesta. Teria aparecido uma tal de Glorinha, que prescreveu "ao poeta": "Precisa vencer o demônio da carne".
Contava Chico Xavier ter psicografado Humberto dos Campos, R.I.P. 1934. A família do cronista processou, mas o juiz encanou: como avaliar direitos autorais produzidos por alguém do "lado de lá"?
Para o "lado de lá" foram 33 pessoas em 2016, assassinadas, em Paraty —o que faz da cidade-sede da Flip, segundo o Mapa da Violência, a recordista fluminense em taxa de morte por arma de fogo. A maioria, jovens pretos e pardos de bairros favelizados. Mas a essas ninguém dá muita bola, não. Letra morta.