As cidades e as chuvas de verão
Na noite de domingo e madrugada de segunda-feira, 11 de março, todos os afluentes do rio Tamanduateí registraram chuvas acima de 100 mm. No bairro Rudge Ramos, em São Bernardo do Campo, e na estação localizada próxima ao Mercado Municipal de São Paulo, a rede telemétrica medidora de chuva e nível de rios do Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE) mediu volumes de precipitação de 163,8 mm e 51 mm, respectivamente. Essa diferença na quantidade de chuvas mostra como foi concentrado o aguaceiro daquela noite.
Esse volume condensado na região com maior adensamento demográfico do país excedeu a capacidade de escoamento do rio e de seus afluentes, que transbordaram e invadiram a área urbana, causando enormes prejuízos às pessoas, empresas, animais e à própria natureza, além de vidas, que lamentavelmente, se foram.
Essa tragédia poderia ser ainda pior, se não fossem os 21 “piscinões”, construídos ao longo do rio Tamanduateí e seus afluentes, para conter parte do volume precipitado e reduzir a velocidade das águas ao longo de seu percurso até desaguar no rio Tietê.
Embora as enchentes sejam consideradas fenômenos naturais, os cientistas creditam esses acontecimentos extremos ao aquecimento global do planeta, resultado direto da interferência humana na natureza. É um desafio constante para os meteorologistas entender e interpretar as forças que regem o meio ambiente.
Muitas cidades paulistas e do Brasil sofrem com a pressão do crescimento urbano não planejado. Esse processo desorganizado gera grandes áreas de impermeabilização de solo com pavimentação de vias, calçamentos e construções. Ao aterrar as áreas de extravasamento natural dos rios e canalizar cursos d’água, as cidades aumentaram a velocidade de chegada do fluxo das águas, suplantando a capacidade de drenagem dos rios.
Em 2011, após o pior desastre natural do Brasil, na região serrana do Rio de Janeiro, que registrou 947 mortes e 182 mm em média de precipitação, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações criou o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), com o objetivo de prever, monitorar e atuar na mitigação de acidentes naturais.
A Defesa Civil Estadual trabalha em parceria com o Cemaden e, por meio do seu sistema de alertas, enviou a primeira mensagem de SMS para a população avisando sobre o risco de chuva intensa na região do ABC paulista às 21h de domingo. Esse serviço é uma importante ferramenta de aviso meteorológico para as autoridades locais dos municípios, mas sobretudo para a população que vive próxima de rios ou em áreas de risco.
Diante desse cenário cada vez mais desafiador, em reunião com prefeitos da região do ABC, o governador João Doria anunciou o esforço conjunto para tirar do papel a construção do piscinão Jaboticabal, um projeto localizado entre as cidades de São Bernardo, São Caetano e São Paulo. Além disso, o governo de São Paulo está trabalhando para a ampliação da capacidade do sistema de drenagem dos grandes centros urbanos.
Projetos de macrodrenagem, como a construção de piscinões, aprofundamento e limpeza de calha dos rios, são importantes, mas é fundamental haver ações de microdrenagem ,como por exemplo aumentar a quantidade de áreas verdes em parques e residências para favorecer a frenagem e a absorção das chuvas pelo solo.
Pequenas atitudes realizadas em casa, como separar e destinar o lixo de maneira adequada, além de preservar e ampliar cada metro quadrado de terra em suas residências, plantando árvores, são fundamentais para a consolidação de uma consciência ambiental. No estado, cada região administrativa possui um Comitê de Bacia Hidrográfica, órgão composto por representantes do poder público e sociedade civil, no qual a comunidade pode contribuir para as decisões referentes aos múltiplos usos da água de forma a garantir a recuperação, a proteção e a conservação das águas.
Essa gestão compartilhada entre os diferentes atores envolvidos tem na educação ambiental uma ferramenta para colocar em prática, por meio do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro), os projetos estratégicos abordados nas Câmaras Técnicas dos Comitês de acordo com os principais desafios de cada região.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) fez um levantamento dos principais problemas ambientais do planeta com base no conhecimento científico disponível. As conclusões do relatório “Perspectivas para o Meio Ambiente Mundial” são preocupantes, por conta do que já está acontecendo.
Para muitos especialistas, os efeitos das mudanças climáticas serão o grande desafio da humanidade neste século, pois essas alterações mudam os padrões meteorológicos, o que geram um efeito amplo sobre o meio ambiente, a economia e a sociedade.
A Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae) retira anualmente de suas barragens ao longo do rio Tietê uma média de 2.000 toneladas/ano de lixo oriundo da região metropolitana de São Paulo que poderia ser evitado pelo simples ato de colocar o lixo no lixo. Em 2011, foi criado o parque Várzeas do Tietê, que será o maior parque linear do mundo, com 107 quilômetros quadrados de área. Recentemente foi entregue mais uma unidade para aumentar a preservação ambiental e evitar ocupações irregulares próximas ao leito do rio.
Na preservação dos nossos recursos hídricos, imprescindíveis para nossa sobrevivência, fazem-se necessários o envolvimento e a responsabilidade de toda a população, que com pequenas ações sustentáveis pode contribuir, em muito, para fazer deste Dia Mundial da Água uma data mais que especial. Aos poderes públicos municipal, estadual e federal, fica o dever de agir cada vez mais na conscientização e prevenção, preparando as cidades do futuro para os desafios climáticos.
Diante desses desafios, não é momento para politizar, muito menos de ficar com os braços cruzados esperando as próximas chuvas de verão, mas sim de fazer como a água, que sempre busca encontrar o seu caminho para o mar: juntar nossos esforços para construir as melhores soluções.