Ascensão da extrema direita transforma eleição na Espanha em guerra cultural
A eleição geral na Espanha no próximo mês deverá ser um momento definidor na história moderna do país —tão importante quanto as primeiras eleições pós-Franco, em 1977, só que mais incerta. Nessa votação vital, após a morte de Francisco Franco e de sua ditadura nascida da vitória fascista na guerra de 1936-39, que manteve a Espanha à margem da Europa, uma enorme maioria de espanhóis, de todos os matizes políticos, sabia que seu futuro estava na Europa.
Essa opinião ainda perdura de modo geral. Abraçar uma identidade europeia uniu o país, governado em um sistema bipartidário pela centro-esquerda e a centro-direita. Cada um deles muitas vezes precisou do apoio dos nacionalistas da corrente dominante na Catalunha e no País Basco, que negociaram seu apoio a Madri por mais poderes nessas comunidades autônomas, em um sistema de delegação que ajudou a definir uma democracia vibrante e banir os fantasmas do passado.
Quarenta anos depois, o sistema de dois partidos se fragmentou e o governo único corre o risco de se dividir. A Catalunha fracassou no referendo sobre a secessão em 2017 —ilegal pela Constituição de 1978, que declara a Espanha indivisível— , o que deixou os catalães divididos e acendeu o nacionalismo espanhol. Três partidos de direita estão presos numa espiral de hipérboles para provar quem assume a posição mais forte contra os secessionistas.
A crise financeira de 2007-08 pegou a Espanha em uma bolha imobiliária gigante e forçou um socorro dos bancos apoiados pela União Europeia e uma dura austeridade, deixando cicatrizes vivas. Isso, e a agressividade com a qual figuras da direita estão tentando retroceder o relógio sobre os direitos das mulheres, significa que esta eleição geral não é apenas uma disputa de identidade, mas uma guerra cultural.
Grande parte da transição democrática na Espanha foi assombrada pelo terrorismo do grupo separatista basco ETA. A política na Catalunha parecia um contraste suave. Hoje, os bascos, considerados o elo partido na cadeia espanhola, estão bastante satisfeitos com sua sorte, enquanto o nacionalismo catalão questiona o futuro do Estado espanhol.
O debate sobre quem despertou primeiro as demandas catalãs por independência é tão estéril quanto uma discussão sobre o pecado original. Mas não há dúvida sobre o papel desempenhado pelo Partido Popular (PP), de direita.
Ele fez campanha contra o estatuto de autonomia catalão reformado, que foi anulado por uma decisão do Tribunal Constitucional espanhol em 2010 mesmo depois de endossado pelos Parlamentos espanhol e catalão e aprovado por referendo.
O PP trocou a unidade duramente conquistada da Espanha por ganhos partidários, e a decisão levou o separatismo catalão da margem para a corrente dominante e inseriu a política identitária no sistema político espanhol.
A extrema direita ressurgiu em um partido rebelde chamado Vox, parcialmente em reação à tentativa fracassada de secessão da Catalunha. O Vox quer eliminar qualquer vestígio de governo central. Paradoxalmente, começou na Andaluzia autogovernada. Lá, as eleições em dezembro acabaram com 36 anos de governo dos socialistas e levaram o Vox a entrar numa coalizão com o PP e o Cidadãos, partido ostensivamente liberal e unionista que descambou para a direita.
Os três partidos de direita —PP, Cidadãos e Vox— estão levando uma boa vida política depois da reação contra a Catalunha. Mas a resistência contra eles pode estar crescendo.
Eles trataram o governo de minoria socialista recém-caído de Pedro Sánchez como um usurpador porque chegou ao poder no ano passado depois de uma moção de censura contra o governo do PP apoiado pelos separatistas catalães. Os socialistas de Sánchez perderam novamente no mês passado quando seu orçamento foi derrotado no Parlamento espanhol, pela direita —e os separatistas catalães.
Mas se esta eleição é só sobre o nacionalismo, o fundamentalismo constitucional da direita supera facilmente o federalismo impreciso de uma esquerda que também abriga extremistas. Toda nuance desaparece no fogo cruzado das lutas identitárias.
Os socialistas têm mais problemas. Eles precisam vencer a Catalunha e a Andaluzia para chegar ao poder em Madri. Seu partido Catalão, antes influente, foi dizimado pelo separatismo. Sua arrogância na Andaluzia depois de tanto tempo no poder levou à abstenção e à derrota.
Na extrema esquerda, o Podemos está implodindo, e algumas pesquisas e comentaristas dizem que seus eleitores desiludidos poderão se abster. Mas o espectro (ou a promessa) de um governo de direita que inclua abertamente a extrema direita pela primeira vez desde Franco está eletrizando a política espanhola.
Sob pressão do Vox, Pablo Casado, o prolixo jovem líder do PP, pediu uma cruzada contra o que considera uma recriação da Frente Popular, governo republicano que antecedeu a guerra civil.
Albert Rivera, líder do Cidadãos, descarta qualquer aliança com os socialistas. Os líderes do Vox pedem uma reconquista para salvar a Espanha, remontando a 1492, quando os reis católicos expulsaram os mouros e acabaram com quase oito séculos de cultura muçulmana.
Mas há uma reação. Após uma década de austeridade, a Espanha não podia mais suportar o tipo de cortes fiscais que esses líderes discutem frivolamente, segundo me disseram quatro empresários importantes —não sem se contorcer.
Em termos de "guerras de cultura" na Espanha, as mulheres poderão decidir o resultado eleitoral. O Vox quer derrubar as leis de gênero que visam proteger as mulheres da violência sexual. Casado reabriu a questão do direito ao aborto, muito depois que ela parecia decidida. O ágil Rivera, vendo uma abertura à esquerda na direita, promoveu sua rival no partido, Inés Arrimadas, a proclamar um feminismo liberal ou liberalismo feminino —ninguém tem certeza.
Todos os candidatos estarão prestando muita atenção no Dia Internacional da Mulher, nesta sexta-feira (8), que poderá sinalizar como todas essas posições estão sendo vistas por metade do eleitorado. Eles estão de olho nesse espaço.