Atentados no Sri Lanka mostram que influência do Estado Islâmico persiste, diz analista
Os atentados que mataram quase 300 pessoas no Sri Lanka no domingo de Páscoa (21) mostram que a capacidade do grupo Estado Islâmico (EI) de influenciar ataques terroristas pelo mundo continua presente, diz Iain Overton, diretor da Ação em Violência Armada, entidade que trabalha para reduzir o número de mortes causadas por armas no mundo.
"É quase impossível dizer se [o ataque no Sri Lanka] foi feito por ordem direta do EI ou por sua influência. Mas o Estado Islâmico opera por meio da influência. A propaganda é um elemento da estratégia dele. Eles tentam repassar suas ideias para um grande número de grupos pequenos e lobos solitários", disse Overton à Folha, por telefone, do Reino Unido.
Com esta estratégia, o Estado Islâmico consegue estimular a realização ações terroristas em vários países do mundo, mesmo sem precisar se envolver diretamente, como enviar homens, armas ou bombas.
O governo do Sri Lanka apontou o pequeno grupo jihadista local NTJ (National Thowheeth Jama'ath, ou Organização Nacional Monoteísta) como autor de oito explosões no domingo, que atingiram igrejas cristãs e hotéis de luxo em três cidades do país. Ao menos 290 pessoas morreram e 500 ficaram feridas. Ninguém reivindicou a autoria do ataque.
"Não creio que [o NTJ] seja um grupo grande operando em Sri Lanka, mas certamente sabemos que há muitas, muitas pessoas lutando pelo EI em diferentes países. E o Sri Lanka é um deles", prossegue o jornalista, autor do livro "The Price of Paradise: How the Suicide Bomber Shaped the Modern World" (O Preço do Paraíso - Como Homens-Bomba Deram Forma ao Mundo Moderno, de 2019, não lançado no Brasil).
O NTJ se tornou conhecido no Sri Lanka depois seus membros atacaram estátuas budistas em dezembro, ação que chocou a maioria dessa religião. Abdul Razik, um dos responsáveis pelo grupo, foi preso várias vezes por incitamento ao ódio religioso.
Em janeiro, a polícia do Sri Lanka apreendeu 100 kg de explosivos em um esconderijo e prendeu quatro extremistas islâmicos, mas nenhuma organização foi acusada.
Para o governo do país, os ataques da Páscoa foram realizados com apoio de uma rede internacional, mas não foram citados nomes.
Atentados com homens-bomba já haviam sido usados no país durante a guerra civil que durou de 1983 a 2009, pelo grupo Tigres de Liberação do Tamil Eelam, influenciado por ações realizadas pelo Hezbollah no Líbano. Esse grupo buscava criar um estado independente e foi derrotado pelo Exército do Sri Lanka.
"O Tigres enviou lutadores para aprender com o Hezbollah como usar homens-bomba em ataques", diz Overton, que visitou o Sri Lanka em 2018 e conversou com ex-militantes que haviam concordado em ser homens-bomba durante a guerra civil do país.
Segundo ele, os atentados naquele período eram, em grande maioria, contra alvos do governo e das forças de segurança, e não contra civis.
"Os atentados atuais ilustram como as justificativas jihadistas para atacar civis mudaram o foco do terrorismo em todo o mundo e como o EI tem influenciado o terror suicida", defende o analista.
No início da década, o grupo Estado Islâmico tomou o controle de partes do Iraque e da Síria. Em junho de 2014, este território foi proclamado como um califado pelo líder da facção, Abu Bakr al-Baghdadi. O paradeiro do terrorista iraquiano, que chegou a ser dado como morto, é desconhecido.
No auge de sua expansão, o EI chegou a controlar, no Iraque e na Síria, uma área equivalente ao estado de São Paulo.
Em março de 2019, forças sírias apoiadas pelos EUA conquistaram o último bastião dominado pelo EI, na Síria. Mesmo assim, o grupo continua sendo considerado uma ameaça devido à sua capacidade de estimular ataques a nível global.
"A derrota do EI no Iraque e na Síria não terminou com as ações de homens-bomba. Em 2016, 26 países tiveram ataques suicidas deste tipo. O Sri Lanka é um novo campo de atrocidades para eles", analisa Overton.
"É provável que mais ataques dessa natureza aconteçam de novo e de novo", prevê o jornalista. No entanto, ele acredita que as chances de novas ações no Sri Lanka nos próximos dias são pequenas. "Tudo pode acontecer, mas segundas ou terceiras ondas de ataque não são comuns após ações feitas por homens-bomba."