Ativistas argentinas da lei do aborto lamentam, e defensores do veto festejam
Ativistas que lutaram a favor da liberação do aborto na Argentina afirmam que, apesar do “gosto amargo” após derrota no Senado na madrugada desta quinta (9), já se mobilizam para voltar a propor a legalização em um futuro próximo.
“Hoje mesmo já começamos a planejar como vamos continuar”, diz a comunicadora Ana Correa, uma das organizadoras da marcha feminista Ni Una Menos, que neste ano teve como tema a luta pelo aborto legal.
“Ficou a frustração pelo nível dos representantes que temos no Senado. Mas tenho a convicção de que hoje falta um dia a menos para que o aborto seja legal na Argentina. O movimento de mulheres não pode ser parado”, afirma.
Para Ana, a influência da igreja e o medo de desagradar às suas bases eleitorais foram determinantes para o voto dos senadores.
“Houve uma pressão de setores religiosos que eu não via desde a volta da democracia”, afirma. “E tem uma questão geracional, porque o nível de conscientização sobre o tema é muito maior entre os mais jovens”, avalia.
Segundo ela, senadores de províncias onde há maior taxa de gravidez adolescente, abortos clandestinos e mortalidade materna votaram contra a lei. “Foi uma correlação exata e muito perversa.”
Ana vê com desconfiança a proposta do presidente Mauricio Macri de incluir a descriminalização do aborto em uma futura reforma do código penal –o que impediria que as mulheres fossem presas, mas não garantiria assistência médica para o aborto.
“Hoje poucas pessoas vão presas por esse motivo. O que precisamos é legalizar de fato, para que as mulheres parem de morrer”, defende.
Para a socióloga e historiadora feminista Dora Barrancos, 77, o resultado foi uma “pequena derrota”.
“Tínhamos expectativa a respeito de alguns votos indecisos que lamentavelmente se transformaram em votos contrários e abstenções”, diz. “Mas, em uma perspectiva mais ampla, nós ganhamos, porque esse movimento já não volta atrás. Mais de 20 milhões de mulheres foram às ruas.”
Entre os caminhos a serem tomados após a votação, ela cita insistir na mudança da lei nos próximos anos e exigir que sejam implantados, em todas as províncias, protocolos de atendimento ao aborto nos casos já permitidos.
‘Festa da democracia’
Já os argentinos que lutaram contra a liberação do aborto para além dos casos de estupro e risco de morte para a mãe, já permitidos por lei, comemoram o resultado da votação.
Gustavo Volpe, 54, presidente da organização Rosario te Quiero Provida, afirma que não se trata de uma vitória da igreja ou de algum grupo etário ou social, mas do povo como um todo.
“O que aconteceu ontem foi uma festa de democracia. Não foi um decreto, houve um voto no Congresso, deu-se o debate em todo o país. O povo se expressou e politicamente o tema foi votado. Ganhou a defesa da vida.”
Ele diz acreditar que o assunto vai voltar ao Congresso em alguns anos, mas não teme a legalização em um futuro próximo. “Uma geração inteira já disse que não. Vai passar muito tempo até que isso mude.”
Gustavo, que organiza há 15 anos uma “manifestação em defesa da criança por nascer”, diz que é contra a legalização por entender que existe vida desde o momento da concepção. “É simples. Se há vida, nós a defendemos.”
A cientista política Mariana Ravazzola, de 44 anos, também comemorou o resultado da votação.
“Os que estamos contra o aborto somos vistos como atrasados ou antigos. Não é assim. Não se pode comparar o aborto com o divórcio ou com o casamento com pessoas do mesmo gênero, porque há uma vida no meio.”
Católica, ela afirma que não concorda com as queixas de que a igreja interfere nas políticas sobre o assunto.
“Foram os legisladores que votaram, então não tem nada a ver. E mesmo que eu não tivesse religião, sou contra o assassinato. Se não permitimos matar, por que vamos matar dentro da barriga de uma mãe? Isso não pode virar lei.”