Bahia apoia causas sociais em busca de diversidade na sua torcida
No último 12 de novembro, o Bahia postou uma mensagem de apoio à cantora Cláudia Leitte, que havia sofrido assédio do apresentador Sílvio Santos. Duas semanas antes, entrou em campo com nomes de homens e mulheres negros, em homenagem ao mês da Consciência Negra. O clube foi também um dos poucos que se posicionou contra a comemoração do Golpe de 1964. No início de abril, ainda prestou homenagem ao Abril Indígena.
As campanhas em apoio a causas sociais se tornaram uma marca da agremiação nordestina. Grande parte disso, é resultado de ações do Núcleo de Ações Afirmativas do clube, que tem como principal objetivo aproximar o Bahia de torcedores que antes estariam longe das arquibancadas.
“Muitas mulheres não se sentiam à vontade para ir ao estádio porque eram assediadas. Era um ambiente muito masculino, e ainda é. A gente começou a ver os gays e trans, pessoas que não se sentiam à vontade dentro do mundo do futebol”, diz o presidente do Bahia, Guilherme Bellintani.
Foi a partir da criação do núcleo que o clube começou a se engajar em campanhas de defesa das causas raciais, LGBT, das mulheres e dos índios, por exemplo.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo IBGE em 2017, a população da Bahia é composta por 81,4% de negros e pardos. As mulheres representam 51,6% dos baianos (Pnad Contínua, 2018).
“Então, quando a gente briga por aproximar trans, gays, mulheres e índios do clube, é porque temos identidade com isso, não é uma coisa alienígena”, afirma Bellintani.
A postura é rara na Série A. Além do Bahia, só Vasco e Corinthians, por exemplo, fizeram manifestações de apoio à democracia no dia 31 de março deste ano, aniversário de 55 anos do Golpe de 1964.
Para Bellintani, o principal motivo de outros clubes não seguirem a mesma linha de atuação é o risco de críticas à diretoria, que promove iniciativas que não são diretamente ligadas ao futebol. Sua gestão, por exemplo, já foi taxada por críticos de “comunista” e “esquerdista”.
Apesar de as causas defendidas pelo clube serem usualmente associadas a movimentos de esquerda, o dirigente diz que há espaço para várias correntes políticas dentro da agremiação. Em partida contra o Palmeiras no ano passado, por exemplo, o atacante Gilberto, do Bahia, homenageou o então candidato a presidente Jair Bolsonaro.
Bellintani não vê problema em um jogador ou torcedor se expressar de maneira diferente da do clube e ressalta que a agremiação, enquanto instituição, tem como limite de suas posições as disputas partidário-ideológicas e as escolhas de foro íntimo.
“[O futebol] é um canal que pode servir para acentuar o que há de pior na nossa sociedade, como o racismo, as agressões, a violência e a intolerância, mas pode servir de forma diferente, para espalhar cultura, afeto, sensibilidade, melhoria das relações humanas. Então eu acho que os clubes têm que escolher se eles serão canais de afetividade ou de ódio”, complementa.
Há, em alguns clubes, o temor de que manifestações políticas possam acarretar em punições da Fifa. A entidade realmente já puniu jogadores por manifestações políticas em campo (na maioria das vezes com multas), mas não é comum que campanhas como as realizadas pelo Bahia entrem na mira da entidade.
O Código de Ética da Fifa determina que os dirigentes devem ser “politicamente neutros” apenas no que se refere ao tratamento institucional com governos, organizações e outras associações.
“Eu acharia bem ruim se viesse da Fifa alguma determinação de controle sobre os posicionamentos defendidos pelo clube. São causas humanitárias e o futebol tem algo grande a contribuir”, diz.
Para o dirigente, as campanhas são mais que uma ação de marketing, fazem parte do DNA da agremiação, assim como a defesa da democracia e e da transparência.
“[Quando me tornei presidente] a democracia já era uma pauta. Essa coisa do clube aberto não foi criada na minha gestão. As lutas vêm de muito antes. Teve a passeata dos 50 mil na década de 1990, a gente reuniu 50 mil no centro da cidade cobrando por democracia no Bahia”, lembra.
Em 2013, após anos sob o comando das famílias Guimarães e Barradas, com seguidas quedas no Campeonato Brasileiro, o clube campeão nacional em 1959 (Taça Brasil) e 1988 passou por uma intervenção judicial que depôs o então presidente Marcelo Guimarães Filho, impôs eleições diretas para o cargo e reformulou o estatuto.
O clube hoje tem eleições diretas aberta aos sócios-torcedores. Bellintani, foi eleito no fim de 2017 com 81,4% dos votos para um mandato de três anos com a plataforma de combater o que ele chama de “elitização e gourmetização” do futebol.
A principal medida adotada pelo clube com esse objetivo foi a criação do plano de sócio-torcedor “bermuda e camiseta”. Nele, os torcedores com renda inferior a R$ 1.500 mensais podem assistir a todos os jogos do clube em casa pagando R$ 45 ao mês.
Procurado pela reportagem, o presidente deposto em 2013, Marcelo Guimarães Filho, disse à reportagem que resultados ruins obtidos durante a sua gestão, iniciada em 2008, fazem parte do esporte.
O dirigente afirmou ainda que sua gestão devolveu o time à elite nacional, venceu o estadual após sete anos de jejum e foi responsável pelo novo centro de treinamento.
Guimarães Filho lembrou ainda dos dois títulos conquistados na Copa do Nordeste e três Campeonatos Baianos vencidos na administração de seu pai, Marcelo Guimarães, que comandou o Bahia de 1997 a 2005.
“Com relação à democracia, é muito bem vinda, está instalada e deve ficar, mas é preciso lembrar que eu fui o primeiro presidente que trouxe esse debate, reformulei o estatuto e criei eleições como em outros clubes”, concluiu.