Bianca Comparato vive 'Capitã Nascimento' em filme sobre UPPs
Da laje de um casebre na comunidade de Tavares Bastos, em um morro na zona sul do Rio, Rodrigo Pimentel, autor do livro que inspirou o filme “Tropa de Elite”, aponta para o mar de barracos lá embaixo.
“Essa aqui é a única comunidade pacificada da cidade. Aqui não tem nem briga de marido e mulher”, diz o ex-capitão do Bope à reportagem. “Hoje em dia é a única comunidade do Rio em que se pode filmar.”
Pimentel é um dos dois roteiristas de “Intervenção”, longa que o diretor Caio Cobra roda no morro e que se pretende crítico à atuação das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) nas favelas cariocas. O filme vai estrear em 15 de novembro, Dia da Proclamação da República, “para aproveitar o momento que o país tá vivendo”, nas palavras do italiano Cosimo Valerio, um dos produtores.
Desta vez, há no centro uma “Capitã Nascimento”, a policial Larissa (Bianca Comparato), idealista que enfrenta a crueza do trabalho nas comunidades. É a porta-voz de um Pimentel que hoje se diz “enganado por uma pegadinha”.
“A UPP foi apresentada como a grande salvação. Eu era um entusiasta e hoje me sinto culpado”, diz o ex-capitão. “O símbolo dela é o contêiner, sinal de que era provisório, que era só para ganhar eleição.”
Durante a gestão de Sergio Cabral, entre 2007 e 2014, Pimentel foi um dos garotos-propaganda do tal “salvação”. “Estava mantendo a comunidade em ordem”, justifica. O roteirista diz que sua mudança de opinião não está relacionada à ruína do ex-governador, hoje presidiário em Benfica.
“Enquanto o Cabral estava em alta, a UPP também estava”, diz. Segundo ele, o que colaborou para derrocada do modelo tem mais a ver com “falta de punição”. “O Comando Vermelho percebeu que não teria punição pelos seus crimes. Foi isso, aliado à falta de educação, de esporte, de saneamento”, diz, apontando para as casas do morro.
Assim como em “Tropa de Elite”, a história dá brecha para discutir a mesma queda de braço entre a atuação da polícia e a defesa dos direitos humanos –esse último polo representado pela irmã de Larissa, vivida por Dandara Mariana, com falas que guardam inegáveis ecos com as da vereadora assassinada Marielle Franco.
Em conversa com a imprensa, na tarde de terça (17), Pimentel revê as próprias opiniões que embutiu em “Tropa de Elite”. “Acho que foi ingênuo culpar os jovens que fumam maconha pelo problema da violência”. Mas logo arremata, sem tirar a fatura da mesa da classe média. “A culpa é também dos que compram mercadoria roubada. Isso abastece o crime.”
Roubo de carga é mesmo um dos eixos do filme. Na cena a que a reportagem acompanhou, rodada numa viela de Tavares Bastos, um grupo de atores fazendo as vezes de jornalistas inquiria o major interpretado por Marcos Palmeira.
No trecho, o policial diz que um caminhão foi levado ao morro e se irrita quando perguntam sobre uma moradora que morreu na troca de tiros. “E o policial que era pai de família e levou um tiro de fuzil?”, indaga o personagem.
Na muvuca montada na ruela, moradores da comunidade assistem a tudo curiosos. Um garoto, descalço, sem camisa e com não mais do que cinco anos, perambula ao redor da cadeira do diretor. “Vai brincar com o seu amiguinho ali”, diz um assistente.
Ali próximo há montada uma UPP cenográfica, um caixote de lata com mesa, cadeiras, micro-ondas e um mural com os destaques do batalhão.
Depois de rodarem as cenas do dia, diretor, produtores, elenco e roteiristas sentaram para falar com a imprensa. Quatro vezes, entoaram que o filme “mostraria o lado humano” da situação. “Somos italianos, então o filme não vai estar à direita ou à esquerda”, disse Cosimo Valerio.
Ao tomar o microfone, Bianca Comparato diz que se incomoda com o título do filme, que remete à intervenção militar a que o estado do Rio de Janeiro está submetido. “Não gosto do nome, espero que mudem, mas sou só a atriz.”
O jornalista viajou a convite da Paris Filmes