Bill Gates compara computador às novas tecnologias sanitárias sem rede
Em vez de expandir a rede de esgoto, tratar os resíduos na geração e sem gastar água. A ideia não é nova. Mas os entraves para desenvolvê-la são enormes. Não só dos interesses econômicos que mantêm o desenho do atual sistema de saneamento urbano, mas também da mentalidade que resiste a pensar essa possibilidade de mudança de chave.
Os esforços para construir alternativas baratas e atomizadas em escala planetária e em territórios diversos para saneamento não são nada simples.
Por isso é que tem grande relevância para a sustentabilidade a mostra “Reinvented Toilet”, que aconteceu na China na semana passada, e que ganhou mais visibilidade por causa do seu patrocinador mais famoso, Bill Gates, e do vidro com cocô que ele exibiu em seu discurso na abertura do evento, para falar do potencial de contaminação biológico das fezes.
Durante os dois dias da exposição internacional em Pequim, empresas, centros de pesquisa e universidades consorciados mostraram suas soluções de sanitários que eliminam patógenos nocivos e convertem cocô e xixi em água limpa e fertilizantes sem conexão com esgotos e alimentação de água.
Foram mostrados conceitos, materiais, equipamentos e sistemas de gerenciamento de banheiros.
Havia também protótipos e ideias em desenvolvimento, mas empresas chinesas como Clear, CRRC, EcoSan, a americana Sedron Technologies, as indianas Eram Scientific, Ankur Scientific, Tide Technocrats e tailandesa SCG Chemicals mostraram sanitários para usinas de tratamento de resíduos de pequena escala —os chamados de omni-processadores— prontos para venda. A japonesa LIXIL anunciou um projeto piloto de sistema para residências familiares.
A Fundação Gates investiu mais de US $ 200 milhões desde 2011 em pesquisa e desenvolvimento de omni-processadores, para encontrar modelos interessantes para o setor privado e também para planos governamentais de novas soluções de saneamento.
Durante a exposição, Gates anunciou plano de investir mais US $ 200 milhões para pesquisa e desenvolvimento de novos produtos de saneamento. Entidades chinesas de promoção do comércio internacional se comprometeram também a acelerar a comercialização e a adoção de tecnologias do saneamento “disruptivas” no mundo todo na próxima década.
4,5 bilhões de pessoas, mais da metade da população mundial, não têm acesso a saneamento básico. Escassez de água, mudanças climáticas e aumento da urbanização apontam para o agravamento da crise de saneamento mundial: a ONU estima que, até 2050, 70% da população viverá em áreas urbanas densas e grande parte do crescimento ocorrerá em países de baixa renda na Ásia e na África subsaariana, o nível de estresse hídrico está acima de 70%, indicando a forte probabilidade de futura escassez de água.
O tema é central. Um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o sexto, é que todos tenham banheiro seguro até 2030.
A expansão do saneamento sem rede poderia reduzir o custo econômico de mais de US$ 200 bilhões usados para tratamento de problemas de saúde e diminuição de produtividade decorrentes da falta de saneamento e impedir a morte de meio milhão de crianças menores de 5 anos a cada ano, segundo estimativa da OMC (Organização Mundial da Saúde).
Durante a plenária realizada na abertura da mostra, o Banco Mundial e os bancos de desenvolvimento da África e Ásia anunciaram compromissos para destinar US$ 2,5 bilhões em financiamento para projetos de saneamento urbano, o maior conjunto já coordenado de compromissos exclusivamente para essa área. Também a agência francesa de desenvolvimento anunciou compromisso de dobrar financiamento para saneamento global até 2022, com até 600 milhões de euros (US$ 683 milhões) por ano.
Segundo análise que a Fundação de Bill Gates divulga, feita pelo Boston Consulting Group, o potencial para empresas que “chegam cedo à nova categoria de saneamento sem esgoto” seria de uma receita anual global de US$ 6 bilhões até 2030. E, segundo a OMC, cada dólar investido em saneamento seguro fornece, em média, um retorno econômico de US$ 5,50.
Em seu discurso, Bill Gates enalteceu a política chinesa da “Revolução do Banheiro”, iniciada em 2015 no país, e o exortou governos e iniciativa privada ao engajamento nas novas tecnologias para reverter a crise de saneamento.
Gates disse que o mundo está no “limiar de uma revolução do saneamento” e comparou essa mudança de paradigma à revolução do computador pessoal:
“Em 2009, fiz uma pergunta a um grupo de cientistas e engenheiros: era possível ultrapassar o padrão ouro de saneamento: vasos sanitários com descarga, esgotos e estações de tratamento? Poderíamos chegar a uma abordagem mais acessível que pudesse matar os patógenos e acompanhar as necessidades das áreas urbanas de rápido crescimento —sem exigir infraestrutura de esgoto ou dependência de recursos hídricos escassos ou eletricidade contínua para operar? As pessoas foram céticas. É difícil imaginar uma maneira totalmente diferente de fazer algo tão profundamente enraizado. (...) No início de minha vida e carreira, houve um tempo em que “o modo como as coisas são” na computação era um computador de grande porte que só grandes corporações e governos podiam pagar. Alguns de nós tiveram outra ideia. Sonhamos com computadores pessoais que qualquer um poderia usar. Muitas pessoas nos disseram que éramos loucos. Mas nós acreditamos nele e encontramos outras pessoas que compartilharam nossa visão.”