Bolsonaro desfaz look esfarrapado para construir versão de líder
O presidente Jair Bolsonaro investiu mais em imagem do que todos os seus antecessores. Se é plausível a crítica de que lhe falta articulação política, soa evidente no início de sua gestão que sobra articulação visual nas escolhas de estilo, galgadas em elementos religiosos, militares e nacionalistas.
A estratégia de aproximar o eleitorado por meio do guarda-roupa comum, exposto em vídeos informais, deu certo até a eleição. Eleito, o presidente viu seu uniforme de labuta, composto por camiseta pirata do Palmeiras combinada a chinelo, pegar mal na foto com ministros.
Presidentes têm o direito de usar o quiserem, mas as roupas espelham a responsabilidade do cargo e representam a seriedade do país diante da comunidade internacional. Bolsonaro parece ter entendido, mas constrói sua versão de líder ilustrando também suas ideologias no armário.
Já na posse, usou signos que virariam parte de sua marca. O azul que tingiu gravatas, camisas e vestidos, tanto dos neófitos quando das raposas aliadas, virou cor desse governo. Na psicologia das cores, o azul transmite ao público a ideia de responsabilidade, ordem, segurança e inovação, pilares do discurso de campanha e teclas batidas com frequência por seus soldados para justificar projetos.
Essa estratégia cromática não é nova, já é usada por executivos do mundo corporativo e tinge logos dos partidos à direita do espectro político, como DEM e PSDB.
Para equalizar a pecha de tresloucado gravada pela oposição, o presidente ainda se vale de costumes com corte tradicional, levemente ajustados para evidenciar a boa forma e passar a mensagem de que está saudável.
São nos detalhes, porém, que ele injeta a personalidade. A costura verde-amarela na lapela do paletó e, mais recentemente, a gravata listrada com as cores da bandeira –signo popularizado por Lula em ocasiões comemorativas, como na abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2009– foram incluídas na mala das viagens internacionais.
Numa delas, a primeira aos Estados Unidos, em março, despiu a roupa política e abraçou a farda ao lado do novo amigo de longa data, o presidente americano Donald Trump. Bolsonaro combinou, no Salão Oval, o coturno do tipo militar bem engraxado com uma gravata cinza chumbo.
Em entrevista a jornalistas, ainda nos EUA, usou um broche prateado que emula uma insígnia, com asas, estrela e ponta de lança.
À imagem de homem comprometido com a segurança nacional e uma agenda reformista, ele somou a de vencedor do mal temente a Deus. Agora faz par com seu relógio Casio, famoso nos anos 1980, quando o Brasil ainda era comandado por militares, uma pulseira azul na qual se lê “protegido pelo sangue”, referência a uma passagem bíblica no capítulo 12:11 do livro Apocalipse.
“E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram as suas vidas até à morte”, diz o trecho, uma óbvia referência ao atentado do qual sobreviveu e a uma suposta humildade conquistada após o incidente.
A título de curiosidade, os versículos anterior e posterior ao 11 estampado na pulseira falam mais alto sobre o slogan Deus acima de todos, cunhada na campanha, dando outras conotações à mensagem apocalíptica do presidente.
No primeiro, é anunciado que “agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite”.
O versículo 12, por sua vez, pontua que “ai dos que habitam terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo”.