Bolsonaro enaltece extinção de conselhos federais com atuação da sociedade civil
O presidente Jair Bolsonaro enalteceu neste domingo (14) o ato assinado por ele na última quinta-feira (11) que pode extinguir dezenas de colegiados da administração federal com a participação da sociedade civil.
"Gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente usando nomes bonitos para impor suas vontades, ignorando a lei e atrapalhando propositalmente o desenvolvimento do Brasil, não se importando com as reais necessidades da população", escreveu o presidente nas redes sociais, ao compartilhar página de um blog que chama os conselhos de “sovietes do PT”.
O ato celebrado pelo presidente foi assinado durante evento de balanço dos cem dias de governo. A medida foi apresentada a empresários como um gesto para desburocratizar e trazer mais economia para a administração pública.
Entre os colegiados que podem ser extintos estão os que discutem temas como relações de trabalho, Previdência, políticas indigenistas, transportes e drogas, além de direitos do idoso e da população LGBT.
A decisão inclui todos os conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas, fóruns salas e "qualquer outra denominação" dada aos colegiados, criados por decretos, ato normativo ou de outro colegiado.
Dezenas de colegiados da administração pública federal que contam com a participação da sociedade civil serão extintos a partir de 28 de junho, segundo determinação do texto assinado por Bolsonaro, que revoga 250 atos do Poder Executivo que datam de 1903 a 2017.
Levantamento feito pela advogada e doutoranda em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo) Carla Bezerra mostra que, dos conselhos criados até 2014 e que têm participação da sociedade civil, ao menos 34 podem ser extintos com o decreto presidencial.
O governo não tem a conta do número total de órgãos dessa natureza existentes. Os ministérios têm até 28 de maio para encaminharem à Casa Civil uma lista dos colegiados sob seus guarda-chuvas. Esse é também o prazo para solicitarem a recriação dos grupos, caso essa tarefa seja de competência da Presidência da República.
O revogaço de Bolsonaro mira não só os colegiados, mas programas federais com prazo de execução exauridos, regramentos para eventos já realizados, concessões outorgadas a empresas não mais existentes e diretrizes sobre a situação jurídica de estrangeiros.
Apesar do tom festivo de Bolsonaro, a medida recebeu críticas da Transparência Brasil, que vê na decisão do presidente a diminuição da transparência e do controle social sobre o governo ao reduzir a participação da sociedade civil em processos decisórios do Poder Executivo.
“Ao extinguir e limitar a atuação de conselhos que preveem participação da sociedade civil sem qualquer consulta prévia aos participantes, exposição de motivos e transparência, o governo mostra que não está interessado em ouvir o que a sociedade tem para dizer”, diz a entidade em nota.
Foram poupados os grupos constituídos no governo Bolsonaro (isto é, a partir de 1º de janeiro de 2019) e aqueles criados por lei, como o CNS (Conselho Nacional de Saúde), o CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), o Conselho Curador do FGTS e o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
Ficam de fora do revogaço diretorias colegiadas de autarquias e fundações, comissões de sindicância e de processo disciplinar e comissões de licitação, além de colegiados previstos no estatuto de instituições federais de ensino --universidades, por exemplos.
O texto também exige que a criação de novos colegiados, a recriação dos grupos extintos ou a ampliação de colegiados existentes sigam as determinações de um outro decreto, o 9.191, de 2017. Ao extinguir colegiados, mas possibilitar a sua recriação, o governo afirma que eles serão implementados de acordo com as regras desse decreto e também outras criadas agora. É necessário, por exemplo, justificar a composição acima de sete membros.
"Essas seriam ferramentas de controle de fato. A criação de colegiados passará agora por um trâmite bem mais formal", diz Rodrigo Oliveira Correia de Brito, especialista em direito administrativo e sócio do escritório de advocacia Siqueira Castro.
Para ele, iniciativas em busca de um aproveitamento consciente dos recursos públicos devem ser vistas com bons olhos. "O problema é quando essa decisão vem depois de palavras do governo sobre evitar a proliferação dos conselhos, porque isso pode inspirar nos destinatários do decreto um sentimento de desprestígio, retaliação e reclamação", afirma.
Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho), que integra a Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo), diz que "certamente muitos dos colegiados vão se reunir e reagir". A Conatrae foi criada por um decreto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de julho de 2003, em seu primeiro ano de mandato.
Feliciano vê ainda abertura para uma discussão sobre "a inconstitucionalidade na exclusão da participação da sociedade civil como um todo nos colegiados, em temas sensíveis à população", afirma.
Parlamentares da oposição querem reverter a decisão do presidente no Congresso.