Bolsonaro põe políticos de volta no armário
Esperava-se uma fresta de modernidade, tons iluminados pela variedade de ideias do espectro político e silhuetas ajustadas aos ideais democráticos.
Em vez disso, o que se vê no vestuário dos políticos é a uniformização, um retorno aos looks caretas, com cheiro de naftalina. É fruto de uma onda conservadora, traduzida em gravatas, costumes folgados, camisa branca e ombreiras de antigamente.
À medida que as pesquisas apontavam a ascensão do candidato Jair Bolsonaro (PSL), uma sombra cinza chumbo tingiu a alfaiataria, desbotou o azul-celeste das camisas soltas do corpo e colou a escala gris nas gravatas enlaçadas com nó de Windsor, proeminente e sisudo como o guarda-roupa político do passado.
Fernando Haddad (PT) segue a regra básica da equalização do discurso, um padrão das corridas eleitorais. Para atingir a parcela conservadora do eleitorado, avesso à sua candidatura, ele assumiu o armário tradicional.
O petista alinhou os cabelos, com um visual diferente do engomadinho relaxado vendido quando tentava se reeleger na Prefeitura de São Paulo. Na TV, adota o vestuário da elite econômica; nas ruas do Sudeste, despe o blazer para rivalizar com o uniforme tucano; e no Nordeste, acaricia sua principal base eleitoral com garrafal “Lula livre” estampado e combinado aos detalhes vermelhos.
Assim como fez Geraldo Alckmin (PSDB) em peregrinação pelo Nordeste, Haddad foi fotografado com chapéu de vaqueiro, lançando mão de um tipo de “marketing da identificação” que aproxima o eleitor por meio dos signos da cultura local.
Em coletiva na quarta-feira (10), Bolsonaro, que agora tenta ganhar o voto dos nordestinos, usou o mesmo acessório para sorrir na foto.
Consultora de imagem responsável pelas produções do governador reeleito Rui Costa (PT-BA) e de quase 300 candidatos ao Legislativo, Bruna di Paolo traça um paralelo entre a escalada do conservadorismo no país e o velho rompante político presente nas campanhas destas eleições.
“Há uma tendência de formalizar o guarda-roupa dos candidatos para tentar transmitir seriedade. Isso partiu da cobrança dos eleitores descrentes com a política, uma parcela que está influenciando diretamente as diretrizes enviadas pelas agências de marketing”, afirma a stylist.
Assim, tenta-se vender uma aparente simplicidade na roupa, mas visivelmente engessada nos códigos da costura masculina clássica.
Melhor ilustração dessa guinada tradicionalista foi a escolha de João Doria (PSDB-SP) no último debate com os candidatos ao governo paulista, no qual apareceu com uma gravata, item até pouco tempo proibido de sair do armário de sua equipe na prefeitura.
Os pescoços desatados de nós vendidos por João Amôedo (Novo) e Álvaro Dias (Pode) sinalizavam a adoção do “look Doria”, um início de campanha diverso que ainda mostrava Guilherme Boulos (PSOL) encarnado num Lula dos anos 1980, em barba, cabelo, bigode e camiseta.
Até Marina Silva (Rede) se empenhou em reconstruir seu visual minimalista de raiz com cortes relaxados. Ninguém parecia prever a escalada conservadora.
Ciro Gomes (PDT) foi atrás da ex-stylist de Haddad, Tata Nicoletti, para imprimir um visual similar ao do homem sério com mangas arregaçadas, que o petista imprimiu e convenceu os paulistanos nas eleições municipais de 2012.
“Se olharmos para Ciro, Haddad e Bolsonaro, fica claro que não há uma preocupação de puxar as cores dos partidos e adotar imagens diferentes para cada um. Com Ciro, nossa preocupação foi manter o estilo, porque não é uma pessoa que pudesse ser descaracterizada”, diz Nicoletti.
Esta é, para ela, uma eleição em que o uso da roupa como ferramenta política foi posta em segundo plano. Seu trabalho, insiste, foi basicamente fazer as combinações de camisa e calça, blazer e gravata, para não deixar que Ciro “andasse amarrotado pela rua”.
Este segundo turno parece legitimar o tom conservador no guarda-roupa do poder também nas candidaturas estaduais. Marcio França (PSB), por exemplo, adere ao terno e à tradicional sobreposição de jaqueta e camisa para minimizar a curva à esquerda no discurso, se comparado ao do concorrente tucano.
No Rio, o neófito Wilson Witzel (PSC) se alinha à imagem dos líderes neopentecostais do partido, e abotoa até o penúltimo botão o colarinho francês, mais curto, que deixa evidente o pescoço longo.
Em carreatas, Witzel adere ao guarda-roupa de micareta que identifica os candidatos de primeira viagem, cujo discurso prega o “novo”.
Mas é no “laranja cheguei” do Novo, o partido, que esse modelito de ativista tingido com tons elétricos para subir no trio ganhou mais adeptos.
Romeu Zema, candidato do partido ao governo de Minas Gerais, adota o tom de néon festivo para puxar eleitores em comícios, enquanto desmonta a roupa para debates, nos quais aparece de camisa ensacada no jeans escuro.
O look imprime distância da direita tradicional, mas mantém o viés conservador para pular essa onda direitista.
Curiosamente, Bolsonaro, pivô da mudança imagética nestas eleições, pode mudar as regras se continuar tentando vender a foto de cara descontraído, trajado de preto e desnudado da política após o ataque em Juiz de Fora (MG).
Como se imitasse o novo melhor amigo, João Doria, sua grife predileta virou a Ralph Lauren, impressa no jogador de polo gravado no peito.
Escancara-se a estratégia de desenhar uma imagem de homem do povo com trânsito pelo empresariado para, dessa forma, criar a embalagem de cordeiro ferido, enlutado pela barbárie. A partir dela, Bolsonaro quer converter eleitores indecisos que acreditam ter de escolher entre a cruz e a espada no dia 28.