Bolsonaro segue os passos de Trump ao apostar na radicalização da retórica

Jair Bolsonaro tem seguido à risca a cartilha de poder de seu ídolo Donald Trump.

O Brasil mal se recupera da polarização que rachou o país de vez na eleição de outubro, e o presidente faz de tudo para intoxicar ainda mais o debate público com mentiras e impropérios.

Só nos últimos dias, Bolsonaro fez ataques sem precedentes contra povos indígenas, a comunidade científica, a imprensa livre e a memória das vítimas da ditadura militar, dentre outros alvos. Desnorteada, a sociedade tem encontrado dificuldades para oferecer respostas rápidas à sequência de ameaças que emana do Alvorada.

Não estamos sozinhos: os Estados Unidos enfrentam desafios semelhantes impostos pelo atual ocupante da Casa Branca. O problema surgiu por lá ainda em 2015, quando Trump lançou sua pré-candidatura à Presidência com declarações estapafúrdias contra mulheres, imigrantes e as instituições de poder.

Na época, a verborragia de Trump não era levada à sério. O deboche em relação ao magnata nova-iorquino era tanto que o site Huffington Post chegou a noticiar sua campanha na seção de entretenimento em vez da de política.

Em vez de enfraquecerem sua candidatura, os disparates de Trump sequestraram a atenção do eleitorado e o levaram a vencer as primárias do Partido Republicano. Mais tarde, em novembro de 2016, ele derrotou a favorita Hillary Clinton na votação do colégio eleitoral, surpreendendo o establishment político.

Uns esperavam em vão que a cadeira presidencial ajudasse a moderar o comportamento errático do republicano. Desde a posse, Trump faz da virulência –tanto ao vivo quanto no Twitter– a principal marca de seu governo.

Em agosto de 2017, alguns meses após a cerimônia de inauguração, o presidente causou indignação quando, ao comentar os incidentes de tensão racial em Charlottesville, igualou a violência dos extremistas da Ku Klux Klan à reação pacífica de manifestantes antifascistas. O episódio ficou gravado na opinião pública americana como um triste lembrete de que as estruturas racistas herdadas do tempo da escravidão seguem vivas e fortes nos Estados Unidos.

Já em novembro de 2018, Trump elevou o nível de seus despautérios contra a mídia independente –rotineiramente taxada de “inimiga da nação” e “fake news”– ao revogar as credenciais de acesso à Casa Branca do repórter Jim Acosta, da emissora CNN. Amplamente vista como um ataque à liberdade de imprensa, a medida foi logo revertida pela Justiça.

O republicano atingiu o pico de suas ameaças contra as instituições de poder no mês passado, quando sugeriu que quatro deputadas da ala progressista do Partido Democrata, todas cidadãs americanas e integrantes de minorias raciais, odiavam a América e deveriam retornar aos “países totalmente infestados pela criminalidade de onde vêm”. A declaração racista foi imediatamente rechaçada pela Câmara dos Deputados, controlada pela oposição.

“Ao longo da nossa história, o linguajar racista tem sido usado para colocar um americano contra o outro de modo a beneficiar a elite rica”, escreveu Ilhan Omar, uma das deputadas alvejadas por Trump, em artigo de opinião publicado na semana passada pelo New York Times.

LÓGICA SECTÁRIA

A experiência dos Estados Unidos na era Trump mostra que a postura agressiva do presidente deve ser levada a sério. Quem apostava que o republicano morreria pela boca já se enganou uma vez em 2016.

Trump tem avançado a passos largos em pontos estratégicos de sua agenda populista, como o nacionalismo econômico e o combate à imigração, deixando um rastro de ódio e divisão à medida em que revoga direitos de minorias e demole princípios caros à democracia.

Apesar das inúmeras controvérsias que produz, o líder americano tem conseguido manter sua popularidade em nível estável. A retórica agressiva de Trump energiza seus seguidores mais fiéis nos meses que antecedem a batalha pela reeleição no pleito de novembro de 2020.

Esta lógica sectária parece ter sido adotada por Bolsonaro no Brasil. Confrontado após a nova leva de disparates, o presidente não dá sinais de que corrigirá o comportamento: “Sou assim mesmo”, ele disse em entrevista ao jornal O Globo.

Enquanto a maioria dos líderes de países democráticos mantém uma distância cautelosa em relação Trump, o presidente americano tem encontrado em Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo –provável futuro embaixador do Brasil em Washington– dois de seus mais subservientes admiradores ao sul do continente.

Ainda que traga ecos do líder americano, o estilo de Bolsonaro antecede o republicano em muitas décadas. O presidente brasileiro construiu sua carreira na Câmara dos Deputados defendendo o retorno da ditadura militar e ofendendo mulheres, LGBTs, negros, índios e nordestinos. A recente escalada do discurso agressivo de Bolsonaro não deveria surpreender ninguém.

Nos Estados Unidos, quem tem feito contrapeso aos abusos do presidente são movimentos sociais e a imprensa independente —e, de modo mais limitado, as instituições de poder como o Legislativo e a Justiça.

Por aqui, o discurso tóxico de Bolsonaro enfrenta alguma resistência da sociedade civil. Mas o nosso sistema de pesos e contrapesos, essencial para a preservação do Estado de Direito, é mais frágil que nos Estados Unidos.

“Cada vez que o presidente dispara contra seus críticos, cada vez que ele agrava a linguagem do racismo e do ódio, torna-se mais difícil convencer a nós mesmos de que vivemos em uma sociedade que valoriza a civilidade, a compaixão e a tolerância”, escreveu Francine Prose, integrante da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos, em artigo recente para o jornal britânico The Guardian.

A autora se referia ao “linguajar cruel” de Trump, mas o alerta também vale para o Brasil de Bolsonaro: “Se estamos com raiva, nós podemos dar a ela um uso positivo … Vamos canalizar nosso descontentamento para um propósito maior que supere o divisionismo, o descaso e o redemoinho caótico e acelerado da violência verbal e física”.

P.S.: Fui para o Twitter, siga @danielavelar_ 

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