'Bolsonaro é apenas uma peça no xadrez de Trump', diz chanceler venezuelano
O chanceler venezuelano Jorge Arreaza afirmou, em entrevista exclusiva à Folha, que os fatos ocorridos nesta terça (30) em Caracas são "mais um capítulo do golpe de Estado que está em processo desde 23 de janeiro no país".
Na data, o deputado Juan Guaidó se autoproclamou presidente da Venezuela.
Ele também acusa o presidente americano, Donald Trump, de incentivar um levante contra o governo de Nicolás Maduro.
"Pela primeira vez os EUA não estão por trás de um golpe na região. Eles estão à frente do golpe", afirma. "Trump está chamando os militares venezuelanos a trair a Constituição e a reconhecer um presidente que não foi eleito constitucionalmente", diz.
"O que há aqui é uma disputa dos norte-americanos e da elite venezuelana pela riqueza petroleira. De um lado estão eles, do outro está Maduro e o povo."
Ele afirma, ainda, que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, é "conservador e neofascista", mas uma figura menor na tentativa de golpe: "Ele é apenas uma peça no xadrez de Trump".
"Entendemos que Bolsonaro faz o que Trump manda. O povo brasileiro deve rechaçar. Não deve se deixar confundir pelo governo brasileiro nem pelos meios de comunicação", diz.
"A tolerância deve ser a característica das relações internacionais. E não a imposição de um pensamento único. A Venezuela tem problemas, o Brasil tem problemas, a Argentina também. Cada um deve buscar a sua solução", segue.
O chanceler afirma ainda confiar na neutralidade das Forças Armadas brasileiras diante das seguidas tentativas de "golpe" no país vizinho.
"Os militares brasileiros, até agora, têm mandado mensagens diretamente ao alto comando venezuelano afirmando que não vão intervir militarmente na Venezuela", afirma ele.
Diz ainda que, diante de uma ameaça de intervenção, "nós responderemos".
Arreaza afirma que o vice-presidente Hamilton Mourão, apensar de ter sido adido militar no país, "não conhece nada da Venezuela". O general disse que o que ocorre no país é um caminho sem volta.
O chanceler diz que, além dos militares, funcionários da diplomacia brasileira também teriam enviado recados no mesmo sentido, de não ingerência no país.
"Não vamos revelar seus nomes. Mas muitos deles estão envergonhados do governo brasileiro. O Itamaraty sempre foi uma cátedra da diplomacia. E hoje não é referência para nada no mundo."
Ele diz ainda que, apesar de todos os esforços e moblização do governo americano, "pela primeira vez eles estão fracassando em um golpe" na América Latina.
Arreaza afirma que os EUA não têm medido esforços na tentativa de derrubar Maduro. "Estão roubando o dinheiro venezuelano para dar aos conspiradores", diz, referindo-se ao congelamento de bens de estatais da Venezuela nos EUA.
Militares estariam recebendo oferta de dinheiro ao redor do mundo para trair Maduro. "Agentes da CIA procuram as pessoas em nossas embaixadas e oferecem visto nos EUA, dinheiro, propriedade para que elas traiam a Venezuela."
Diz que isso já ocorreu inclusive no Brasil.
Questionado se a saída do líder Leopoldo López de sua casa, em que estava em prisão domiciliar, com tanta facilidade não revelava que o governo Maduro já não tem o mesmo controle sobre a situação, o chanceler voltou a falar em dinheiro.
"Com 10 mil dólares, você compra um policial", afirma.
O fato de Leopoldo López já ter pedido asilo à embaixada do Chile demonstraria de forma cabal, segundo ele, que "o golpe fracassou".
Questionado se o país poderia impedir López de sair da embaixada rumo ao Chile, ele afirmou: "Ele é um homem condenado judicialmente. O governo e a Justiça vão avaliar".
O chanceler afirmou ainda que a "revolução bolivariana" é vítima de uma conspiração há mais de vinte anos, quando Hugo Chávez chegou ao poder "e a riqueza do petróleo passou a ser investida em políticas sociais".
Ele disse lamentar que o Brasil esteja envolvido na tentativa de derrubada de Maduro. "Apesar das diferenças, sempre nos demos bem com todos os governos brasileiros."