'Brexit' municia fogo amigo contra Theresa May e põe governo em xeque
Em sua campanha nas eleições gerais do ano passado, Theresa May defendeu um governo forte e estável no Reino Unido. Ao completar dois anos como premiê, neste mês, a líder conservadora soma fracassos e assiste ao esfacelamento de seu gabinete.
A negociação do "brexit" —saída britânica da União Europeia, em 2019— abriu um abismo em seu Partido Conservador de onde cresce a ameaça de um voto de desconfiança para tirá-la do cargo.
"O 'brexit' está dividindo os conservadores", diz o professor de política da Universidade de Kent Matthew Goodwin.
Na terça passada (17), May aprovou com margem de meros seis votos no Parlamento a proposta de criar uma união aduaneira com a UE, vista por conservadores europeístas como crucial para manter o comércio com o bloco e considerada uma ruptura suave, ou "soft brexit" no jargão.
O acordo de Chequers (nome da residência de campo do governo), que originou a proposta no início do mês, foi o ponto de cisão no partido e levou à renúncia do chanceler, Boris Johnson, e do ministro do "brexit", David Davis.
"O acordo também irritou eleitores do partido e defensores do 'brexit', que se sentem insatisfeitos com a forma como May quer conduzir a saída de UE", afirma Goodwin.
Segundo ele, apesar de a primeira-ministra ter assumido falando em combater a desigualdade, sua margem de ação foi limitada pelo divórcio da UE. "O processo consumiu toda sua energia. Ela governa um dia por vez, tentando sobreviver politicamente", diz.
A semana das renúncias e da contestada visita de Donald Trump a Londres levou os conservadores a seu ponto mais baixo em pesquisas de intenção de voto em mais de um ano. Sondagens de dois institutos, Opinium e YouGov, indicam que o apoio caiu a 36%, enquanto o Partido Trabalhista saltou para além dos 40%.
A avaliação da liderança de May também caiu nacionalmente: quase 50% dos eleitores desaprovam seu governo, segundo o Opinium, e, no YouGov, apenas 1 em cada 4 entrevistados lhe é favorável.
A mudança quanto à primeira-ministra vem sobretudo dos eleitores pró-"brexit", o que indica forte rejeição ao plano de fazer uma saída suave. Até o anúncio do acordo de Chequers, May era vista de forma majoritariamente positiva por esse grupo, mas em julho a sua imagem desabou.
A tendência eleitoral mostra que também são os defensores do "brexit" que estão abandonando os conservadores para apoiar partidos mais radicais, como o Ukip.
O YouGov aponta que só em julho o apoio de eleitores que votaram pela saída da UE no plebiscito de junho de 2016 aos conservadores caiu dez pontos, a 64%, enquanto o apoio ao Ukip foi de 4% para 9%.
"May está em posição frágil, com inimigos de todos os lados, e as críticas vêm tanto de quem quer ruptura total quanto suave", observa Goodwin.
"Ela enfrentará rebeliões no partido e, se perder apoio, pode cair do governo, seja perdendo a liderança do partido seja com eleições gerais."
O parlamentar conservador Philip Davies, de Yorkshire, entregou na última quinta (19) a primeira carta atestando a perda da confiança no governo May. Com 48 delas, inicia-se uma moção de censura (ou voto de desconfiança).
Se a moção for aprovada pela maioria dos conservadores, um novo governo deve ser formado em até 14 dias com apoio da maioria da Casa. Sem maioria no Parlamento, porém, o partido pode demorar para obter um acordo, o que levaria à dissolução do Parlamento e a eleições.
Apesar do fogo amigo, May tem se segurado porque o processo traz riscos para todo o partido. Tanto quem pede sua saída quanto quem ainda a defende alerta para a possibilidade de um fiasco nas urnas.
Além disso, segundo a pesquisa Opinium, a divisão entre os conservadores não acabaria com a queda May, afetando a escolha do substituto.
Quase metade dos entrevistados disse não saber indicar um sucessor ou não gostar dos nomes disponíveis.
Johnson lidera as preferências com 12%. Atrás vêm o líder da campanha do "brexit" Jacob Rees-Morg (10%), Davis (7%) e o secretário do Tesouro, Philip Hammond (5%).
Trabalhistas debatem hoje plataforma eleitoral mais radical
Enquanto os conservadores se digladiam, os trabalhistas aguardam a oportunidade de assumir o poder.
Nesta segunda (23), o Partido Trabalhista realiza um debate em Londres sobre o programa de governo a apresentar em uma eleição iminente.
O ex-premiê Gordon Brown (1997-2007) tem sido consultado para montar uma proposta com 35 medidas mais um plano de orçamento em que se privilegie qualidade de vida e direitos trabalhistas.
Entre as ideias em análise estão, segundo o jornal Guardian, a nacionalização de indústrias, o controle dos alugueis e a construção de moradias populares. Não há clareza, porém, quanto à proposta do partido para o "brexit".