Brincando com 'brexit'

Os relatórios técnicos sobre as possíveis consequências de um impasse com a União Europeia em torno do ‘brexit’, recém-divulgados pelo governo do Reino Unido, prenunciam um quadro sombrio caso as partes não cheguem a um entendimento até a data-limite, em 29 de março do próximo ano.

Afinal, de um dia para o outro, tratamentos médicos seriam prejudicados por falta de insumos; consumidores estariam sujeitos a taxas mais altas de cartão de crédito; britânicos vivendo em países da UE correriam o risco de deixar de receber suas aposentadorias, entre outros exemplos de interferência imediata na vida dos cidadãos.

Dado o potencial de perturbação que tais efeitos poderiam trazer, afigura-se igualmente preocupante a percepção de que o gabinete conservador da primeira-ministra Theresa May considera bastante plausível a concretização desse cenário mais pessimista.

Cumpre recordar que May chegou ao poder com a tarefa primordial de definir as bases da saída britânica da UE, tal como foi decidido em referendo de junho de 2016. Seu antecessor, David Cameron, renunciou justamente porque apoiava a manutenção do país no bloco europeu, posição insustentável ante o resultado nas urnas.

No início de seu mandato, a governante cunhou o slogan “‘brexit' significa 'brexit’”, indicando que realizaria de forma incondicional a vontade de 51,9% dos eleitores favoráveis à separação.

Passados mais de dois anos, a frase continua apenas tautológica, pois não se sabe ainda que tipo de “brexit” será acertado com as autoridades europeias —se é que haverá algum acerto.

Em grande parte, a persistência da indefinição em um estágio tão avançado do processo se explica pela hesitação política de May.

De um lado, vê-se pressionada a atender à ala conservadora adepta da ruptura total; do outro, forçada pelos defensores da permanência a sopesar os desdobramentos de uma eventual retirada sem negociação que atenue os prejuízos, especialmente na economia.

No intento de levar em conta ambas as visões de um tema que praticamente dividiu ao meio o país, a mandatária não tem agradado a nenhum dos lados.

A sete meses de o Reino Unido oficialmente não mais integrar a UE, o plano apresentado pela primeira-ministra foi visto dentro de seu partido como capitulação aos termos pretendidos pelos europeus e provocou a renúncia de dois secretários em julho. May pode até entregar o “brexit” que prometera, mas talvez sem saber a qual custo.

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