Burocracia é entrave para revalidar diplomas de refugiados
Apesar de novas leis e da simplificação dos processos em universidades brasileiras, revalidar o diploma de curso superior é um desafio para os refugiados que chegam ao Brasil.
Até agosto de 2018, a ONG Compassiva, parceira do Acnur (agência da ONU para os refugiados), viabilizou a revalidação de 30 certificados de refugiados desde o início da parceria entre as organizações, em 2016.
Com o diploma revalidado, o estrangeiro está apto a exercer a profissão na qual se formou no seu país.
Pela parceria, foram realizados 89 processos desde 2016 - destes, 30 diplomas foram revalidados, 48 estão em análise, 2 foram arquivados e 9, indeferidos. Além de apoio jurídico, a Compassiva prevê a possibilidade de auxílio financeiro para arcar com traduções juramentadas e taxas do processo.
Atualmente, o prazo para processar os casos é de 180 dias, segundo determina o Ministério da Educação.
"Hoje, temos no Brasil apenas 14% da população com ensino superior completo, e recebemos vários refugiados que têm ensino superior, mestrado, doutorado, falam quatro idiomas. Quando não reconhecemos seus diplomas, perdemos mão de obra qualificada", afirma Camila Tardin, advogada da ONG.
No Brasil, não há procedimento padrão para tais processos, e em algumas instituições a taxa para revalidar um certificado pode ser superior a R$ 2.000, fora os custos com traduções.
Estados como São Paulo e Rio de Janeiro contam com dispositivos legais que isentam os refugiados do pagamento dessas taxas em universidades estaduais. Para Camila, no entanto, deveria haver uma lei federal de isenção de taxas em todo o país.
"Além do custo, temos vários outros entraves. A maioria das instituições quer que a documentação dos refugiados seja consularizada, mas, quando falamos de um refugiado da Síria que é um desertor, ele é tratado como um criminoso em seu país, então não vai conseguir ir ao consulado pedir um carimbo", critica.
Para o refugiado sírio Salim Alnazer, o projeto da Compassiva mostrou "o caminho das pedras'' para revalidação de seu diploma de farmacêutico pela Universidade Federal Fluminense (UFF). A ONG também ajudou com seu credenciamento no Conselho Regional de Farmácia.
No Brasil desde novembro de 2014, ele já trabalhou como vendedor e atualmente é o farmacêutico responsável de uma empresa de logística.
Alnazer tentou revalidar o certificado pela USP, mas desistiu devido ao custo de R$ 1.700. "A gente saiu da Síria sem dinheiro, sem nada, só com as roupas. A revalidação me abriu portas'', conta.
Tatyana Friedrich, coordenadora do programa de política migratória da Universidade Federal do Paraná (UFPR), também condena o excesso de burocracia. "O processo é caro e elitizado", diz.
A UFPR oferece uma revalidação paralela à do Ministério da Educação para "relativizar as exigências." Mesmo assim, pela instituição, são revalidados no máximo três diplomas de refugiados por ano, das cerca de 25 solicitações.
"Já vi gente chegar com diploma com as pontas queimadas e ser uma burocracia para revalidar. Às vezes as instituições submetem essas pessoas a provas tão difíceis que nem os coordenadores dos cursos passariam. Enquanto não fizermos uma política de revalidação, vamos subaproveitar o potencial desses profissionais."
Luís Felipe Magalhães, pesquisador do Observatório das Migrações em São Paulo e da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Unicamp, reforça a necessidade de políticas públicas de validação dos diplomas e de acesso à educação em seus diversos níveis.
"Estamos diante de uma fase migratória em que os novos imigrantes frequentemente possuem alta escolaridade. As políticas públicas são essenciais para identificar e aproveitar esse potencial, permitindo que imigrantes sigam contribuindo para o desenvolvimento econômico e social e para a diversidade cultural pelos quais passam qualquer projeto de país'', comenta.