Campos de detenção para muçulmanos são 'internatos', diz autoridade chinesa
Uma autoridade graduada do extremo oeste da China disse na terça-feira (12) que os campos de internamento de minorias muçulmanas lá são como internatos, e que o número de internos vai diminuir, enquanto o governo reagia às críticas internacionais sobre detenções em massa.
O amplo confinamento pela China de pessoas da minoria uigur e outras muçulmanas na região de Xinjiang atraiu a condenação de governos estrangeiros e órgãos internacionais, inclusive nas últimas semanas.
Um enviado dos Estados Unidos a chamou de parte de uma "guerra com a religião". A Turquia, que antes silenciava sobre as detenções, tornou-se crítica. A alta comissária para Direitos Humanos da ONU pediu respostas recentemente.
Mas na reunião anual do Legislativo nacional da China, que começou no mês passado, autoridades do Partido Comunista de Xinjiang pareciam tranquilamente alheias às políticas.
Especialistas estrangeiros, citando imagens de satélite e documentos do governo, calcularam que os campos detiveram sem julgamento até 1 milhão de uigures, cazaques e outros muçulmanos, em um programa que tenta transformá-los em leais apoiadores do partido, falando chinês.
Em uma sala de reuniões lotada de jornalistas estrangeiros e chineses, o presidente do governo de Xinjiang, Shohrat Zakir, desmentiu a estimativa, mas não disse quantos detentos eles têm.
"Algumas vozes internacionais disseram que Xinjiang tem campos de concentração ou de reeducação. Essas afirmações são puras mentiras", disse Zakir na reunião de delegados de Xinjiang do Legislativo controlado pelo Partido Comunista, o Congresso Nacional do Povo, que foi aberta a jornalistas.
"Na verdade, nossos centros são como internatos onde os estudantes podem comer e viver de graça", disse Zakir, usando o nome oficial, "centros de treinamento educacional".
Ele indicou que futuramente os campos poderão ser desativados, mas não disse quanto tempo isso poderá demorar.
"Em geral, os centros de treinamento educacionais terão cada vez menos pessoas, e se um dia a sociedade não precisar mais deles poderão desaparecer gradualmente", disse Zakir.
Desde o ano passado, Zakir, que é uigur, serviu como um dos mais destacados defensores do governo na ofensiva de Pequim contra as atividades religiosas islâmicas e dissidentes étnicos em Xinjiang. Em outubro, ele foi a primeira autoridade chinesa a defender em detalhe as detenções em massa.
Adrian Zenz, palestrante na Escola Europeia de Cultura e Teologia, na Alemanha, cuja pesquisa concluiu que os campos de doutrinação em Xinjiang podem conter 1 milhão ou mais de internos, disse que as instalações funcionam sob pelo menos oito nomes, e não apenas os centros de treinamento que Zakir mencionou.
"Na minha opinião, podem ser até 1,5 milhão", disse ele sobre a população detida para doutrinamento.
"Não há virtualmente uma família uigur que não tenha um ou mais membros em detenção, e um número crescente de cazaques e outras minorias muçulmanas também são afetados."
Os últimos comentários de Zakir salientaram como o governo chinês não se abalou com as críticas globais a suas políticas, confiante em que seu programa de propaganda de visitas vigiadas a Xinjiang de diplomatas e jornalistas escolhidos possam calar a condenação.
O evento de imprensa na terça-feira fez parte desse esforço de propaganda. Realizado na sala de Xinjiang do imponente Grande Salão do Povo, a reunião continha 60 autoridades, incluindo algumas das minorias étnicas uigur, hui, tártara e mongol, sentadas diante de uma pintura do piso ao teto de uma cena de montanha da região sob a neve.
Na sessão de quase duas horas, as autoridades se revezaram em elogios ao líder chinês, Xi Jinping, e à iniciativa do partido para erradicar a pobreza, revigorar a economia local e atrair turistas à região. Eles com frequência invocaram a romã, fruta de muitas sementes que o governo trata como um símbolo da harmonia étnica.
Uma autoridade descreveu como as políticas para melhorar o descarte de dejetos e instalar banheiros modernos ajudaram a transformar uma aldeia.
"Nossa vida está melhorando a cada dia", disse Chen Liang, a autoridade local. "Por todas essas coisas boas, realmente temos de agradecer a Xi Jinping e ao partido."
Tais argumentos repercutem entre muitos chineses, mas é improvável que contenham as críticas globais, que se basearam em relatos de ex-detentos nos campos e extensa documentação de pesquisas sobre centenas de campos de detenção que se expandiram por Xinjiang desde 2017.
Os uigures são um povo turco que compartilha tradições e traços de linguagem com populações islâmicas da Ásia Central e da Turquia. No mês passado, o Ministério das Relações Exteriores turco acusou a China de "readotar campos de concentração no século 21" e chamou as políticas de Xinjiang de violação dos "direitos humanos fundamentais" dos uigures e outros muçulmanos turcos.
O ministro das Relações Exteriores turco, Mevlut Cavusoglu, manteve as críticas mais tarde em fevereiro.
"Embora reconheçamos o direito da China a combater o terrorismo, pensamos que se deve traçar uma distinção entre terroristas e pessoas inocentes", disse Cavusoglu em uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra.
Michelle Bachelet, a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, disse que quer acesso independente para investigar relatos de "desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias", especialmente em Xinjiang.
Sam Brownback, o embaixador dos Estados Unidos para liberdade religiosa internacional, foi muito mais direto. "Precisamos chamar esses campos do que eles são: são campos de internamento criados para eliminar a identidade cultural e religiosa de comunidades minoritárias", disse Brownback a jornalistas em Hong Kong na semana passada.
Em um possível sinal da influência chinesa, porém, alguns ativistas no exterior que denunciaram os internamentos em Xinjiang sofreram crescente pressão.
Serikzhan Bilash, fundador de uma organização no Cazaquistão que ajuda os cazaques étnicos que fugiram da vizinha Xinjiang, foi detido no domingo em Almaty.
Ele foi colocado em prisão domiciliar durante dois meses em Astana, a capital do Cazaquistão, e estava sendo investigado sob suspeita de "incitar o ódio étnico", segundo disse por telefone sua advogada, Aiman Umarova.
Em Pequim, Chen Quanguo, secretário do Partido Comunista em Xinjiang, ficou praticamente em silêncio na presença dos repórteres. Chen é o principal aplicador das políticas duras na região, mas deixou Zakir fazer a maior parte dos pronunciamentos. A polícia de Xinjiang muitas vezes segue e restringe jornalistas estrangeiros que visitam a região, mas Chen marcou um tom diferente em seus comentários iniciais rápidos.
"Expresso meu sincero agradecimento aos repórteres chineses e estrangeiros por seu antigo interesse por Xinjiang", disse.