Candidatas relatam rotina de assédios nos EUA
Dias antes das eleições primárias para o Congresso dos EUA em 2016, Erin Schrode recebeu dezenas de milhares de mensagens ao acordar.
Uma delas dizia: "Todos vão gargalhar enquanto a curram e então esmagam seu cérebro comedor de bagels". "Seria divertido vê-la ser comida por uns 20 e tantos durante oito a dez horas", disse outro, novamente sugerindo um estupro coletivo. Já se passaram dois anos desde que Schrode, 27, perdeu a primária democrata. Mas as ameaças e os xingamentos nunca pararam: uma enxurrada tóxica de assédio carregado de misoginia e antissemitismo.
O ciclo eleitoral de 2018 nos EUA trouxe mais uma leva de candidatas políticas mulheres. Segundo o Centro de Mulheres e Política Americanas da Universidade Rutgers, há um número recorde de candidatas a senadoras, deputadas federais e governadoras.
Muitas mais são candidatas aos legislativos estaduais e a cargos municipais. E elas estão descobrindo que o assédio e as ameaças, que já fazem parte da realidade de muitas mulheres, podem ser amplificados em disputas políticas.
No ano passado, ameaças e assédio sexista e antissemita ajudaram a levar a democrata Kim Weaver, do Iowa, a desistir de sua candidatura. Alguém entrou em sua casa durante a noite e afixou um cartaz de "à venda". O site neonazista "The Daily Stormer" publicou um artigo (que não está mais no ar) intitulado, conforme a recordação de Weaver, "Conheça a prostituta que está concorrendo com Steve King".
Um conhecido dela no governo alemão chegou a avisá-la sobre uma conversa ameaçadora num mural de mensagens extremistas e a perguntar se ela tinha segurança pessoal. "Normalmente sou corajosa, mas, quando você sente como se estivesse num aquário e não sabe quem está jogando pedras, é desconcertante", disse Weaver, 53. Quando Weaver retirou sua candidatura, King sugeriu que ela tinha inventado as ameaças.
A candidata republicana Emily Ellsworth, 31 anos, de Utah, contou que, quando estava procurando apoio de delegados de seu partido para ser aceita como candidata ao Senado estadual neste ano, um delegado a encurralou em vários eventos e enviou dezenas de mensagens no Facebook. Ele só parou quando ela desativou sua conta.
Ellsworth disse que as mensagens não eram sexualmente explícitas, mas a fizeram sentir que "ele queria realmente forçar um relacionamento mais pessoal".
Morgan Zegers, 21, candidata republicana a deputada estadual, do interior de Nova York, disse que foi tachada de "republicana bonitinha e submissa" e em muitos casos teve que deletar comentários vulgares de sua página no Facebook.
Lauren Underwood, 31, candidata democrata a deputada no Illinois, recordou que, visitando um partidário, um republicano passou pelo local e se sentiu afrontado ao saber que ela estava concorrendo com um amigo dele.
O assédio não é novidade para as mulheres na política nem em qualquer outra área da vida ""e homens enfrentam isso também, especialmente se forem afroamericanos ou judeus. Para as mulheres, porém, o assédio é algo constante, frequentemente sexualizado e que vem se intensificando neste ciclo eleitoral.
Em um vídeo de 2017 do Women's Media Center, várias políticas ""incluindo mulheres experientes como as deputadas Katherine M. Clark, 55, democrata do Massachusetts, e Ileana Ros-Lehtinen, 66, republicana da Flórida--descreveram suas experiências.
O processo fez parte de uma campanha chamada #NameItChangeIt (Identifique e Transforme), que incentiva as mulheres a virem a público para denunciar o assédio sofrido.
Quando a democrata Rebecca Thompson foi candidata a deputada estadual no Michigan em 2014, desconhecidos a seguiam após eventos e passavam de carro diante de sua casa, lentamente e repetidas vezes. Alguém arrombou seu carro. Ao final da campanha ela passou a dormir na casa de seu parceiro, porque estava com medo de ficar sozinha.
"Passei a campanha inteira me sentindo insegura", disse Thompson, 35. "Era quase como uma guerra psicológica, como se estivessem tentando me assustar. Eu ficava tensa, não podia ir a nenhum lugar na cidade sem sentir que estava sendo seguida."
Mas ela não se sentiu à vontade para denunciar. "Eu me dizia que tinha que aguentar e pronto. Não se chora no beisebol nem na política", ela afirmou. "Se essas coisas tivessem acontecido hoje, acho que eu teria me sentido empoderada para pôr a boca no trombone."
Algumas candidatas entrevistadas disseram inicialmente não ter sido assediadas ""mas, quando citamos exemplos como mensagens ameaçadoras, responderam que tinham sofrido essas coisas.
"As coisas que as pessoas dizem passam a ser normalizadas", disse a democrata Mya Whitaker, 27, candidata a vereadora em Oakland, Califórnia. "Em alguns casos, o simples fato de eu ser mulher, negra e existir já é o bastante para enfurecer as pessoas."
Tradução de Clara Allain