Carnaval já homenageou times, Zico, Ronaldo e mostrou sofrimento de Garrincha
Foi pegando emprestado o ritmo de um canto da torcida do Flamengo que a Imperatriz Leopoldinense fez seu louvor ao maior ídolo do clube. “Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe, ô”, dizia o início do refrão, assim concluído: “Zico, faz mais um pra gente ver”.
O bonito desfile de 2014 foi o último, entre as principais escolas de samba do Rio de Janeiro, diretamente ligado ao futebol. “Arthur X -- O Reino do Galinho de Ouro na Corte da Imperatriz” promovia um encontro entre majestades: o Rei do Maracanã e a Rainha de Ramos, apelido da agremiação.
Símbolo da escola, a coroa deixou sua posição habitual, no abre-alas, e apareceu no último carro, servindo de suporte ao craque. De vermelho e preto, ele usava a bandeira alviverde como um manto real.
“É como se a Imperatriz ofertasse a ele a coroa de Ramos”, disse o carnavalesco Cahê Rodrigues, explicando o simbolismo do tributo, muito aplaudido na Marquês de Sapucaí.
Três dias antes, em São Paulo, o homenageado foi Ronaldo. Celebrado pela Gaviões da Fiel, ele participou alegremente do desfile -- algo que não tinha feito em 2003, quando foi o enredo da Tradição, no Rio, logo depois de ser o herói do pentacampeonato mundial, mas não apareceu.
A Gaviões, formada por torcedores do Corinthians, como era de se esperar, também já contou a história do clube, em 1998 e 2010. A Mancha Verde, de torcedores do Palmeiras, cantou os cem anos do time em 2015.
O centenário também motivou homenagens a Flamengo (Estácio de Sá 1995), Vasco (Unidos da Tijuca 1998) e Fluminense (Acadêmicos da Rocinha 2003). O laureado do Botafogo foi Nílton Santos, tema da Vila Isabel em 2002.
O futebol também apareceu como parte de enredos maiores. Em 1985, ao falar de saudade, a Caprichosos lamentou a falta que fazia a taça Jules Rimet e zombou o Botafogo pelo jejum de títulos. Em 1980, com “Coisas Nossas”, a Mangueira abordou pontos diversos da cultura brasileira, entre eles o futebol.
SOFRIMENTO DE GARRINCHA
É desse desfile a melancólica cena de um Garrincha sem vida, aos 46 anos, sentado em um dos carros da Verde-e-Rosa. Dopado após uma internação por sua dependência alcoólica, o craque desfilou petrificado, com os pés para fora da alegoria, distante da imagem de “Alegria do Povo”.
Bem mais viva foi a apresentação de 1986 da Beija-Flor, a única a ter o próprio futebol como tema. “O Mundo É uma Bola” foi desenvolvido pelo lendário Joãozinho Trinta, que fez uma leitura fantasiosa do assunto, bem a seu estilo.
No delírio carnavalesco do maranhense, como dizia o verso inicial do samba, “é milenar a invenção do futebol”. Por isso, o que se viu na avenida não foi uma narrativa sóbria sobre a criação inglesa do século 19.
Para Joãozinho, o esporte surgiu quando antigas tribos do atual Afeganistão degolavam inimigos e chutavam suas cabeças. A festa do bumba meu boi mereceu seu próprio carro porque, claro, a bola é feita do couro bovino.
“Não adianta discutir enredo com o Joãozinho Trinta. Ele vai sempre te provar que, na página tal, de um livro escrito há não sei quantos milhares de anos, em aramaico, que só tem um exemplar na Biblioteca Real da Birmânia Superior, existe uma alusão ao fato de que os camelos já jogaram futebol no deserto do Saara”, disse Marcelo Miranda Filho na transmissão da TV Globo.
“Descontando o exagero”, afirmou o comentarista, “nada no enredo é gratuito”. Ele chamou de “espetáculo” o resultado apresentado, apesar da chuva torrencial que castigava a Marquês de Sapucaí.
A avenida se transformou em um rio, o que não tirou a alegria dos componentes. A água tirou, porém, de acordo com a avaliação feita na transmissão da Globo, a afinação dos instrumentos da bateria.
“Você quer ter uma ideia de como a bateria da Beija-Flor ficou prejudicada realmente pela chuva que caiu? Sinta aí”, disse o narrador Fernando Vannucci, chamando a atenção para o som dos surdos.
HOMENAGENS RENDERAM QUEDAS E UM VICE-CAMPEONATO
A bateria de Mestre Pelé, com apelido apropriado ao enredo, acabou sendo bem avaliada pelos jurados oficiais. Os dois julgadores do quesito — um deles o jogador Sócrates — aplicaram nota 10. Não foi suficiente para o título, que ficou com a Mangueira.
Vice-campeã com “O Mundo É uma Bola”, a escola de Nilópolis foi aquela que mais se aproximou da taça falando de futebol. Nenhuma das demais tentativas conseguiu resultados expressivos, e algumas tiveram avaliações bem ruins. A Tijuca, homenageando o Vasco em 1998, e a Mancha, exaltando o Palmeiras em 2015, acabaram rebaixadas.