Carta aos irmãos
Depois do nascimento do irmão mais novo, não é difícil ouvir do primogênito: "O bebê é lindo, mas quando ele vai embora?" ou, diante da imensa barriga materna: "Já entendi que tem um bebê aí dentro, mas quem é a mãe dele?"
O filho mais velho lembra muito bem do tempo em que os pais eram só dele. Tempo em que a mãe ainda podia carregá-lo no colo ou dar-lhe de mamar. No mínimo, do tempo em que ela parecia ficar menos enjoada, dorminhoca ou exasperada --ou as três coisas juntas. O caçula, por outro lado, tem outra perspectiva. Chega depois, acreditando que os que vieram antes dele sempre estiveram lá. Pai, mãe e irmãos que nos precedem são como o sol que nasce todo dia, um fato inquestionável da vida. Os mais velhos serão os modelos perseguidos. A ida do irmão à escola antes de nós não perde em nada às viagens tripuladas à Lua.
Ídolo de um lado e usurpador do outro, a ordem de chegada dos filhos promove desafios próprios, embora não saibamos a priori como cada um vai reagir a eles.
O filho do meio vive a dupla experiência de adorar quem lhe considera um intruso e ser adorado por quem ele despreza. Talvez por isso seja considerado o recheio espremido da prole. Seria demais dizer que ele vive o pior dos dois mundos? Veremos. Uma amiga lembra que quando anunciou estar grávida do terceiro, o primogênito se voltou para o caçula e disse: "Agora você vai ver o que é bom!". A dica de veterano para calouro soava um misto de ameaça e compaixão.
Pode parecer que o primeiro filho só tenha a perder com a chegada dos demais, mas isso é ignorar a dureza de ser "boi de piranha". Pais inexperientes, ansiosos e inábeis, como são todos os pais de primeira viagem, costumam sobrecarregar o primogênito. Ter mais alguém com quem dividir o excesso de preocupação pode ser um alívio.
A rivalidade entre irmãos é tão fundamental em nossa constituição que mesmo filhos únicos terão que encontrar amigos com quem viver essa experiência. Competimos, compartilhamos e solidarizamos e, para o psicanalista inglês Donald Winnicott, a partir desses encontros criamos as condições para vir a ter relações fraternas ao longo da vida. Nada mal para quem já entendeu que não teremos a companhia dos pais para sempre.
Ninguém melhor com quem falar mal dos pais do que com os irmãos. Ninguém melhor para entender o que se perde quando esses mesmos pais se vão. Irmãos têm na história familiar um lugar de cumplicidade inigualável e, quanto menos os pais arbitrarem a relação, melhor. Afinal, são os pais que estão sendo disputados.
Pais e mães se perguntam se amarão o próximo filho tanto quanto já amam o anterior. Esquecem que o amor do primeiro também não foi instantâneo.
A brincadeira preferida dos irmãos costuma ser a gangorra. Quando um sobressai na escola o outro gosta de fazer corpo mole. O super-responsável pode fazer par com o folgadão. O tímido se mede com o extrovertido. Enfim, fazemos de tudo para ganhar a atenção dos pais e para sentir que somos únicos: inclusive fingir o que não somos. Irmãos são fonte garantida de angústia, oportunidade singular para se reconhecer parte do mundo, convite para a competição e para o cuidado.
O paradoxo é que nem todo irmão vira amigo, mas os grandes amigos são tidos como irmãos. Seja porque o que veio depois nos mostra que fomos insuficientes, seja porque o que veio antes nos faz sentir sempre em falta, irmãos existem para nos ensinar que não somos a "última bolacha do pacote". Pena que nem todo mundo aproveita a lição.