Carta de um bebê para sua mãe
Querida mamãe, quando eu estiver pensando na vida, peço, por obséquio, que você não interrompa meu fluxo de ideias para, mais uma vez, me exibir às visitas. Tá, eu já sei bater palminhas, fazer o que você chama de “charminho da vergonha” e imitar a tosse seca dos velhos do prédio.
Mas, e daí? Um dia, se você me deixar ser um bebê que fantasia sossegado, sem ter que agradar a todos o tempo inteiro, eu poderei chegar bem mais longe que isso.
Ontem, por exemplo, descobri como é maravilhoso morder o dedinho do meu pé, e você, crente que essa experimentação pseudogastronômica lhe pertence, estragou tudo metendo flashes de celular na minha cara.
Nem sempre estou a fim de sorrir, então, lhe imploro, pare de fazer “a boca louca babona com som de peido” na região de meu abdômen a cada troca de fralda. Sabe hoje de manhã? Eu estava na minha, entende? Estava tentando lidar com o papel de parede cheio de desenhos de bichinhos que combina com meu lençol cheio de desenhos de outros bichinhos que, por sua vez, lembra demais os bichinhos de olhos estatelados me encarando das prateleiras, e tudo isso é uma coisa doida demais, portanto é normal que eu fique meio sério, meio angustiado, digerindo esse mundo e seus milhares de formas e cores e cheiros.
Mas você não suporta me ver caladão, com o olhar fixo para o nada, absorto pelo espetáculo da vida. Daí provoca com os lábios ansiosos meus ossinhos da costela, e só me resta dar as tais gargalhadinhas esperadas.
Querida mamãe, aceite meus silêncios, eles são importantes pra mim. Meus choros também! Se coloque no meu lugar. Até mês passado eu achava que o jardim do prédio era o mundo. Então você me apresentou uma pracinha, depois um parque enorme e finalmente um shopping. Estávamos indo tão bem!
Enfim, não adianta vir com a música da fazendinha se o que meus olhos veem é a promoção da cebola empanada do Outback. Um beijo e #tamojunto.