Chapo condenado, e agora?
O traficante Chapo Guzmán, considerado culpado em julgamento nos EUA (Foto El Universo)
Uma vez, ao entrevistar o filho do líder do Cartel de Medellín, Pablo Escobar (1949-1993), Juan Pablo Escobar, que vive aqui em Buenos Aires, ele me disse: “No dia seguinte em que assassinaram meu pai, não faltou uma grama de cocaína no mercado de drogas de Medellín”. E é verdade que, mesmo com esforços de distintos tipos de controlar, vigiar e perseguir os cartéis colombianos, que mudaram de estrutura e se horizontalizaram, houve avanços no sentido de haver menos mortes causadas pela guerra ao narco, mas a Colômbia continua sendo o maior provedor de cocaína para os EUA e para grande parte do mundo.
O que estou querendo dizer? Que não vale nada perseguir e prender os grandes barões da droga? Claro que não. Eles precisam enfrentar a Justiça não apenas por crimes de comércio ilegal de substâncias ilícitas, mas por todo o sangue derramado por conta da natureza de seu negócio. Mas a criação desses barões como anti-super-heróis tem também seu lado daninho. Pois servem de contra-exemplo para adolescentes, para a indústria cultural, onde são pintados como “rebeldes anti-sistema”.
Desde a derrocada dos grandes cartéis colombianos, nos anos 1990, o sistema do narco em torno desses “drug lords” mudou. As estruturas ficaram mais fragmentadas, horizontais, ou seja, muito mais difíceis de serem capturadas, e o comércio seguiu. E, enquanto não houver uma discussão séria sobre legalização e acesso às drogas com enfoque para políticas de saúde pública, não sairemos desse ciclo. As drogas ilícitas, enquanto continuarem sendo ilegais, continuarão movimentando cifras altíssimas e favorecendo não mais apenas os super-traficantes, mas também os narco-empresários, narco-políticos, narco-presidentes e por aí vai.
É claro que até a indústria do entretenimento prefere a figura do “drug lord” que escapa de todas as prisões e emboscadas, engana a polícia, o governo e a CIA, como prova o sucesso da série “Narcos” e de suas seguidoras, que fazem com que inevitavelmente adolescentes, jovens e o público em geral torçam para que os bandidos se deem bem, criando um precedente terrível para o futuro.
Mas voltemos ao “Chapo”, considerado culpado, nesta terça-feira (12), de todas as acusações pelas quais respondia, relacionadas a seu comando do cartel de Sinaloa: narcotráfico, assassinatos, fugas de cadeias, mortes por encomenda. Sua sentença final sairá dia 25, e é pouco provável que ele não pegue penas máximas em todos os casos, uma vez que está sendo julgado nos EUA, onde seu poder de corromper a Justiça é pequeno ou nulo.
Olhemos, porém, os números. Com Chapo, líder do cartel de Sinaloa, o mais perigoso e rico do México, já preso, 2018 foi um ano com uma cifra altíssima de homicídios relacionados à guerra ao narco: 33.341 pessoas. Na verdade, o mais alto desde que se começaram a realizar essas estatísticas, em 1997.
Quanto ao fluxo de substâncias ilícitas, que vão da marijuana às chamadas drogas de desenho, os opióides e heroína, com destino final os EUA, houve também um aumento _na época do Chapo era maconha e cocaína, apenas.
Os meios que acompanharam o julgamento levado adiante pelo juiz Brian Cogan, numa corte do Brooklyn, disseram que todos os 10 crimes a que o Chapo Guzmán foi relacionado tiveram grandes quantidades de evidências contra ele, num julgamento que durou três meses, e com poucos espaços para que a defesa pudesse armar uma estratégia de saída. Quando tudo estava terminando, conta-se que Chapo olhou para sua mulher, Emma Coronel, e para suas filhas gêmeas de sete anos com a mão no coração e uma expressão facial de quem já aceitou que, apesar de possuir US$ 1 bilhão (contabilizados), deverá passar o resto de sua vida na prisão.
Diego Luna, como Félix Gallardo, patriarca dos narcos mexicanos retratado em “Narcos Mexico” (Foto Divulgação)
Seria importante que o novo governo do México tomasse a prisão do Chapo como um ponto final de um certo modo de combater o narcotráfico. E a atual Presidência do esquerdista Andrés Manuel López Obrador parece estar nessa sintonia. Segundo ele, já não haverá mais “guerra ao narco”, esta que começou com o direitista Felipe Calderón (2006-2012), que já consumiu 80 mil vidas e causou mais de 100 mil desaparecidos. AMLO (como é conhecido) diz que “perseguir ‘capos’ não será uma prioridade”, e sim reforçar seu projeto, ainda um pouco vago, de criar uma “guarda nacional”.
Seus críticos creem que isso militarizaria ainda mais o México. E é verdade. Porém, quem conhece algo do país sabe o quanto instâncias do Exército e das polícias regionais estão corrompidas pelos cartéis. Até que ponto essa “guarda nacional” poderá permanecer “limpa” é o desafio de AMLO.
“Oficialmente não há mais guerra”, disse AMLO ao tomar posse no último dia 1 de dezembro. O que precisa, então, a tal “guarda nacional”, para ser eficiente? Primeiro, contar com a colaboração dos Estados, e para isso será necessário desmontar uma difícil trama de governos regionais cujas campanhas eleitorais são pagas pelo narco local. Depois, armar um sistema de uso e compartilhamento de inteligência entre os Estados, para poder seguir e acompanhar os movimentos dos cartéis, agora mais móveis e divididos. Depois, tratar o assunto de descriminalizar algumas substâncias e montar um sistema de saúde pública que saiba lidar com os viciados. Nem tudo isso consta do programa vago apontado por AMLO, ainda.
Porém, se ele declarou o “fim da guerra”, são questões que tem de levar em consideração.
O caminho parece complicado, muito mais complicado do que repartir armas e mandar que Exército e cartéis se matem. Mas essa estratégia já há mais de uma década não funciona, além de ter ceifado milhares de vidas, entre militares, delinquentes e civis. Está bem que não existam mais Escobares, nem Chapos. Isso terá de obrigar Hollywood e a Netflix a buscar outros filões. Mas será por uma causa nobre, que outras pessoas sigam vivendo sem ter esses sujeitos como ídolos da morte a levar seus filhos e parentes.