Churrasco grego é a nova vítima do raio gourmetizador

Sou vintage, safra 1970, e caminhei muito pelo centro de São Paulo quando tinha 13 ou 14 anos: minha diversão vespertina era percorrer lojas de discos e instrumentos musicais, passar horas olhando e não comprar nada.

A memória desse tempo tem um cheiro: o cheiro de churrasco grego. Aqueles espetos verticais giratórios, que assam uma pilha de bifes. Suco (sic) grátis, vinagrete por conta e risco. Rápido e muito barato.

Era impossível andar dois quarteirões sem topar com um quiosque de churrasco grego –geralmente, uma portinha sublocada de outro estabelecimento.

Virei adulto, virei tiozão e não tenho mais o costume de andar pelas ruas imundas (sempre foram) do centro. Sei que o churrasco grego continua firme e forte por lá. E que algumas versões elitizadas, limpinhas e sem vinagrete se espalharam pela cidade. O raio gourmetizador caiu sobre o churrasco grego.

Verdade seja dita: o tal do churrasco grego que é uma versão mais tosca de uma especialidade do Oriente Médio. Finalmente temos acesso ao shawarma original. Mas como diabos ele virou grego e chegou à Barão de Itapetininga, com bifes mal-encarados?

Senta que lá vem história.

O shawarma é um prato de tradição relativamente recente, pois seu preparo exige um motor para girar continuamente o espeto com a carne. Ele nasceu no século 19 no Império Otomano –que hoje corresponde à Turquia, mas na época incluía os territórios anexados de Síria, Líbano e Palestina (Israel).

Trata-se de carne de carneiro ou frango preparada no espetão e servida com pão pita (pão sírio ou árabe) com salada. Na Turquia, o shawarma se chama döner kebab.

No fim da Segunda Guerra, houve um fluxo de imigrantes da Anatólia (região da Turquia com população grega) para a Grécia. Eles viajaram com o espetão de carne, que ganhou o nome de gyros – não é difícil deduzir o que significa essa palavra.

A principal mudança que os gregos fizeram na receita foi o uso da carne de porco. Os “donos” anteriores são muçulmanos em sua maioria.

O gyros viajou para os Estados Unidos, levado pelos expatriados gregos. Tornou-se uma comida de rua muito popular. E chegou ao Brasil como uma especialidade da Grécia. Nosso churrasco grego é feito com carne de boi porque, como é de conhecimento geral, nosso país é um gigantesco pasto.

De volta para o presente. O raio gourmetizador, no caso do churrasco grego, foi muito bem-vindo.

O Brasil recebeu recentemente muitos refugiados sírios, além de libaneses e palestinos. Essa nova leva de imigrantes trouxe consigo o shawarma. Fazem-no com boi (a carne mais abundante) ou frango (a carne mais barata).

Um ótimo lugar para comer o sanduíche é o Syria – que, apesar do nome, é de Ahmad Merhi, o libanês que já teve o Habib Ali e o Vovô Ali.  Confesso que tentei investigar a contradição, mas desisti rápido. Ele não entendeu patavina do que eu perguntei e me deu uma resposta nada a ver. Ficou por isso mesmo.

O Syria é um lugar muito simples e muito barato na São João, perto do Arouche. Os pombos não são muito simpáticos, mas o shawarma custa R$ 15 e quase vale por uma refeição. Ou vale, se você come menos do que eu – o que é bastante provável. Vem no pão sírio tostado, com salada e um molho de alho espetacular.

Nas franjas de Higienópolis, o Pinati vende a leitura israelense do shawarma. É uma lanchonete de/para judeus religiosos.

Oferece apenas a versão de frango, servida no pão lafa (mais fofo do que o pita) feito no ato. Com cebola na chapa, molho tahine (de gergelim), salada e picles, é inesquecível – em mais de um sentido, pois os sabores fortes te acompanham por um bom tempo.

E agora há um restaurante grego, aberto e tocado por gregos, que vende o churrasco grego original. Ainda não fui à Taverna Santorini, nos Jardins, mas certamente irei para provar o gyros.

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