Claude Lanzmann nos ensinou a cumprir com nosso dever de memória
Existiria imagem capaz de expressar o horror do extermínio dos judeus pelo nazismo? A resposta de Claude Lanzmann à espinhosa questão está em "Shoah" (1985), filme de nove horas e meia que consumiu mais de dez anos da vida do realizador.
Nesta, que é sua obra mais conhecida e mais radical, o realizador francês absteve-se de remontar qualquer material de arquivo. O filme apresenta testemunhos de sobreviventes judeus, de camponeses que viviam próximos aos campos de extermínio e de algozes. Além de seus rostos e corpos que rememoram o horror no presente, as únicas imagens usadas retratam os locais em que as histórias narradas se passaram —e foram feitas pelo próprio cineasta.
A opção adotada por Lanzmann ia na contramão do filme mais importante que a França havia feito sobre o assunto até então. Em "Noite e Neblina" (1955), Alain Resnais combinara filmagens próprias, em cores, com imagens em preto e branco encontradas em museus, acervos de emissoras de televisão e coleções diversas.
Tratava-se de uma postura consciente, que valoriza o testemunho e a memória em detrimento da imagem. Simone de Beauvoir viu nisso o grande trunfo do filme: "A grande arte de Claude Lanzmann é de fazer com que os lugares falem, é ressuscitá-los por meio das vozes e, para além das palavras, exprimir o indizível pelos rostos".
Não surpreende, portanto, que o cineasta tenha reagido com violência a produções subsequentes que procuraram retratar a Shoah por meio da ficção ou valendo-se de fotografias e filmes de época. O cineasta e seus colaboradores reunidos em torno da revista Les Temps Modernes se opuseram veementemente, por exemplo, a Steven Spielberg e seu "A Lista de Schindler" (1993).
O filósofo Georges Didi-Huberman também foi alvo da crítica lanzmanniana ao jogar luz sobre quatro fotografias, hoje célebres, feitas clandestinamente em 1944 por membros do Sonderkommando que conseguiram fotografar o processo de extermínio em Auschwitz-Birkenau.
Antes do embate entre Didi-Huberman e Lanzmann, o cineasta e crítico francês Jacques Rivette já havia recebido de maneira virulenta "Kapò" (1960), ficção do italiano Gillo Pontecorvo ambientado em um campo de concentração.
Com o título "Sobre a Abjeção", Rivette condenava o filme de Pontecorvo por sua postura imoral, ao fazer um travelling de aproximação que mostrava o corpo de uma prisioneira morta na cerca eletrificada.
É difícil restituir de maneira resumida as respostas contrastantes à questão que inicia este texto. De fato, nenhuma imagem —como aliás nenhuma palavra— é capaz de exprimir o horror do genocídio perpetrado pelos nazistas contra o povo judeu. Nenhuma imagem diz o momento da Catástrofe.
Quem passou pela câmera de gás não sobreviveu para narrar. Nenhuma fotografia pode expressar o que foi um campo de extermínio. As imagens ainda assim existem, e, existindo, nos ajudam a imaginar essa terrível realidade —ainda que representá-la de maneira fidedigna seja operação fracassada de saída.
Não é possível escolher uma ou outra posição no embate entre imagem e não imagem, entre Lanzmann e Didi-Huberman. Temos, sim, que cumprir com nosso dever de memória, memória viva e a partir do presente, como ensinou o realizador de "Shoah".
E aceitar o paradoxo descrito por Adorno: "Escrever poesia depois de Auschwitz é um ato bárbaro, e isto corrói até o conhecimento da razão pela qual hoje se tornou impossível escrever poesia".