Coalizão de esquerda se divide em Portugal, e premiê ameaça pedir demissão
Após sofrer uma derrota no Parlamento, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, ameaçou se demitir caso uma lei que pode aumentar os gastos públicos em milhões de euros avance na assembleia.
O ultimato do líder socialista foi feito em rede nacional na tarde desta sexta-feira (3), após um encontro de emergência com os ministros do governo e uma reunião com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Após elencar o que considera vitórias de seu mandato, como o bom desempenho econômico e a reversão de medidas de austeridade, Costa afirmou que o impacto da nova lei seria de mais de 800 milhões de euros aos contribuintes portugueses. A votação final está marcada para o dia 15 de maio.
“Nestas condições entendi ser meu dever de lealdade institucional informar [...] que a aprovação em votação final global desta iniciativa parlamentar forçará o governo a apresentar a sua demissão”, disse.
“Não estou a fazer nem chantagem, nem a fazer ultimatos”, disse Costa ao ser questionado por jornalistas sobre a pressão para que o Parlamento altere seu posicionamento.
A ameaça de demissão do primeiro-ministro é considerada surpreendente porque foi feita na reta final da campanha para as eleições europeias, que acontecem em 26 de maio, e bem próxima do fim da atual legislatura.
Inesperada, a crise política teve como estopim a aprovação, na comissão de educação do Parlamento, na última quinta-feira (2), de uma lei que garante a reposição integral da contagem do tempo de serviço (e consequentemente um aumento de salário) de professores da rede pública.
A progressão de carreira de professores e outros funcionários esteve congelada entre 2011 e 2017, como parte de um pacote de medidas de austeridade para enxugar as contas do Estado na esteira da crise econômica e do resgate internacional feito a Portugal após a crise econômica.
No início de 2019, o Partido Socialista anunciou uma reposição parcial de dois anos e seis meses na carreira dos professores.
A lei aprovada na comissão especial, que ainda precisa passar pelo crivo de todos os deputados e ser promulgada pelo presidente, faz algo ainda maior: dá o reconhecimento integral de mais de nove anos de progressão profissional aos professores.
A manobra da oposição que garantiu a contagem total da progressão só foi possível porque teve apoio do Bloco de Esquerda e do PCP (Partido Comunista Português), partidos que formam a coligação de esquerda que dá sustentação ao governo do socialista Costa.
Segundo o Partido Socialista, a mudança pode sair cara aos cofres públicos. Como existe em Portugal um princípio legal de igualdade no tratamento das carreiras, outras categorias do funcionalismo se apressaram a anunciar que iriam brigar pelos mesmos reajustes.
Sindicatos e representantes das Forças Armadas, policiais, oficiais de Justiça e do Ministério Público foram os primeiros a exigir também uma atualização nos salários.
O ministro das Finanças português, Mário Centeno, disse que a aprovação da reposição integral aos professores era como abrir a “caixa de Pandora” e afirmou que, na prática, este seria o “maior aumento de despesa” fixa de toda a legislatura.
O impacto nos cofres públicos, só com os professores, estaria em 635 milhões de euros (aproximadamente R$ 2,8 bilhões).
Tradicionalmente divididas em Portugal, as legendas de esquerda se uniram para viabilizar o governo de Costa. O Partido Socialista do primeiro-ministro havia ficado em segundo lugar nas eleições legislativas de 2015.
Apelidada de geringonça devido à sua aparente fragilidade, a coalizão de esquerda deu sinal de vitalidade até o início deste ano, quando as negociações de orçamento e a proximidade das eleições passaram a ditar a agenda política.
Apesar de ter citado uma irresponsabilidade orçamental de maneira geral, Costa afagou seus parceiros à esquerda, afirmando que eles foram coerentes com o que defendem ao votarem pelo descongelamento total da carreira dos professores.
O primeiro-ministro, no entanto, acusou os partidos de direita de usarem os professores com oportunismo eleitoral para atacar o governo.
A deputada Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda, afirmou que a decisão de Costa foi precipitada.
”Este ultimato é uma precipitação. Para que colocar instabilidade política onde há resultados concretos na vida das pessoas?”, afirmou.
“Dar agora à direita o prêmio de decidir se a atual solução política cumpre ou não a legislatura até ao fim é triste e é errado“, disse a deputada, que considera que o atual governo não deve jogar a toalha. “Aqui estamos para cumprir um acordo de legislatura.”
A líder do partido de oposição CDS-PP, Assunção Cristas, não poupou críticas à ameaça de demissão de António Costa.
“O primeiro-ministro que não se demitiu devido às mortes dos incêndios [mais de cem pessoas morreram em fogos florestais em 2017], é o mesmo que provoca uma crise política por causa dos professores”, acusou a deputada.