Com fãs fiéis e som pesadíssimo, metal extremo movimenta cena paulistana
De roupas pretas agarradas e coturnos, cerca de mil pessoas circulavam nos arredores do metrô Faria Lima, em São Paulo, no último dia 22. O destino era o Carioca Club, onde haveria shows de duas das principais bandas de metal pesado do mundo, a britânica Napalm Death e a americana Cannibal Corpse.
Apesar de o nome aludir ao Rio de Janeiro, o Carioca Club é uma das casas noturnas paulistanas preferidas de bandas que fazem um som nada solar: o metal extremo.
O termo abriga derivados do heavy metal de sonoridade e temática extremamente agressivas. No Brasil, o heavy metal foi popularizado pelo Iron Maiden, que reúne 40 mil pessoas para suas apresentações em São Paulo.
No extremo estão gêneros como o grindcore do Napalm Death (em português, morte por Napalm, arma química usada em guerras), no qual a bateria soa como uma britadeira, e o death metal do Cannibal Corpse (cadáver canibal), em que o vocalista canta de maneira gutural, como se pedisse socorro para não ser empurrado ao fogo do inferno.
Em setembro foram 20 shows de bandas do estilo na cidade. Somado ao reduto metaleiro de Santo André (ABC), o número chega a 27, quase uma apresentação por dia. A programação até o fim do ano é igualmente intensa e inclui os escandinavos do Dimmu Borgir e os irmãos brasileiros Max e Iggor Cavalera, que tocarão clássicos da fase mais pesada de sua ex-banda, o Sepultura.
“Quem consome metal extremo é fiel e gosta mesmo. É um público menor, mas que conhece de 80 a 90% das músicas das bandas, o que não acontece em show grande”, diz Marcos Baptista, da produtora de shows Dark Dimensions. “No último show do Iron Maiden, vi muita gente que nem sabia quem era a banda. Uns 40% conheciam não mais do que duas músicas.”
A dedicação dos fãs também é ressaltada por Marcos Suarez, da produtora Liberation, que organiza shows de diversos gêneros. “Metal é um estilo de vida. O fã de pop consome uma música e depois vai para outra coisa. Mas, no metal, a galera não aceita mudanças —ou aceita poucas.”
Segundo profissionais da área, a quantidade de shows e a fidelidade dos metaleiros fizeram com que a cidade se tornasse, nos últimos oito anos, uma das capitais da música pesada na América Latina, ao lado de Santiago, no Chile.
O produtor Marcos Baptista conta que a maior parte do público das apresentações é formada por metaleiros de 28 a 40 anos, mais estabilizados economicamente. Isso significa pagar entre R$ 100 e R$ 200 por um ingresso. (E, se a grana estiver curta, “o fã pode até ficar endividado, comprar no cartão em 12 vezes, mas vai”). Cada show reúne de 300 a 1.200 pessoas.
Para Fernanda Lira, vocalista e baixista do Nervosa, trio paulistano de thrash metal formado só por mulheres, “quanto pior a situação do país, mais metal extremo as pessoas ouvem. A gente só passa ódio no Brasil e fica com raiva. O metaleiro, seja ele o público ou o músico, usa a música agressiva para extravasar”.
Em “Never Forget”, faixa do disco mais recente da banda, “Downfall of Mankind” (derrocada da humanidade), lançado em junho, ela atira contra a tirania e a intolerância do mundo de hoje: “Sem mais derramamento de sangue / quebre a perpetuação / do passado negro da história / sem mais segregação / sem mais escravidão”.
O extravaso das letras se traduz em shows enérgicos, de profunda ligação entre banda e fãs, nos quais o público acompanha as músicas sendo tocadas no palco não cantando ou dançando, e sim abrindo a famosa “roda de pogo”. Trata-se da simulação de uma briga, com empurrões verdadeiros, mas socos e chutes imaginários, que começa quase simultaneamente aos primeiros acordes.
“Na Europa e nos Estados Unidos, o pessoal é muito analítico, observa bastante e depois dá um feedback do que viu. Mas aqui o show é um exemplo do Brasil: é roda de pogo o tempo inteiro”, afirma a vocalista.
Claudio Vicentin, editor da revista Roadie Crew, publicação nacional que cobre a cena desde 1998, de tiragem mensal de mais de 30 mil exemplares, concorda. “Num show do Iron Maiden, o pessoal está mais focado em ver a banda tocar. Ao contrário, no thrash e no death metal é pancada na orelha.”
Mas faz uma ponderação. “Isso não é da maneira que as pessoas de fora possam imaginar: não é violência, e sim diversão.”
Se atualmente há público cativo na cidade para músicas sobre personagens que são violados com facas ou mutilados no nascimento —a exemplo de canções do Cannibal Corpse assim intituladas—, isso se deve em parte ao sucesso do Sepultura nos anos 1990.
A banda de Belo Horizonte colocou o país no cenário internacional do metal pesado com os discos “Arise” (1991), “Chaos AD” (1993) e “Roots” (1996). Na década seguinte, foram seguidos pelos gaúchos do Krisiun, que aumentaram consideravelmente a velocidade com que espancavam seus instrumentos em relação aos mineiros.
A Nervosa, que segue na cola do Krisiun, é responsável não só por manter o nome do Brasil no circuito internacional como por promover uma renovação do público da cena, historicamente dominada por homens.
Pelo fato de a banda ser formada apenas por mulheres, a vocalista Fernanda Lira acredita que o sexo feminino se sinta, finalmente, mais representado. “Quanto mais mulheres no palco, mais elas vão se sentir confortáveis para frequentar os shows”.
Entenda as diferenças entre os tipos de metal
Heavy metal
A origem de tudo. Solos de guitarra e vocais em falsete. Letras sobre ocultismo e ficção científica. Calça justa e colete de couro.
Bandas: Black Sabbath, Iron Maiden, Judas Priest
Thrash metal
Heavy metal acelerado, de vocais sérios. Letras sobre destruição, inferno e Guerra Fria. Calça jeans, camiseta preta e boné.
Bandas: Megadeth, Slayer, Metallica, Sepultura
Death metal
Derivado veloz do thrash metal. Letras sobre morte, dor e sofrimento. Vocais guturais ou gritados. Crucifixo invertido pendurado no pescoço.
Bandas: Cannibal Corpse, Celtic Frost, Death, Morbid Angel
Black metal
Bateria hiperveloz, vocais gritados e ininteligíveis, gravação precária. Letras sobre Satanás e, em alguns casos, nazismo e supremacia branca.
Bandas: Marduk, Mayhem, Darkthrone, Bathory
Grindcore
Semelhante ao death metal, porém com influências do punk e do industrial. Letras com crítica social. Bermuda e camiseta de banda.
Bandas: Napalm Death, Carcass, Pig Destroyer