Com salários e premiação irrisórios, futebol feminino ainda engatinha

Corinthians e Rio Preto definem nesta sexta-feira (26), às 20h30, o título do Campeonato Brasileiro feminino. A partida, porém, não será disputada no Itaquerão, estádio “padrão Fifa” que recebe os jogos do time masculino, mas na modesta Fazendinha, onde os profissionais do clube não jogam desde 2002.

O palco escolhido para sediar a decisão do principal torneio do futebol feminino do país é simbólico e dá uma amostra da diferença no desenvolvimento das categorias feminina e masculina no país.

Apesar dos esforços de jogadoras e alguns dirigentes para promover o futebol feminino, a categoria ainda engatinha. Tanto que nem Corinthians nem Rio Preto contam com um elenco profissional.

As atletas corintianas —que estão a um empate de levantar a taça, já que venceram o jogo de ida por 1 a 0— têm um contrato de ajuda de custo do clube. A folha salarial de cerca de R$ 85 mil por mês, ainda assim, é uma das mais altas deste Campeonato Brasileiro.

O valor, porém, representa apenas 0,8% da folha salarial da equipe masculina (cerca de R$ 11 milhões), que está no 12º lugar do Brasileiro.

Já as atletas do Rio Preto, que buscam o bicampeonato para o time do interior paulista —campeão em 2015—, dividem R$ 37 mil de ajuda de custo, paga pela prefeitura.

Somadas, as duas folhas salariais não chegam a 0,5% das de Palmeiras e Flamengo, líder e vice-líder do Brasileiro masculino. Nem sequer se aproximam do valor recebido pelos jogadores do Paraná, lanterna do campeonato, que tinha folha salarial de R$ 1,5 milhão no começo do torneio.

“Houve um corte drástico em todas as modalidades da cidade. Diminuímos em quase 40% o orçamento. É a nossa folha [salarial] mais baixa dos últimos anos”, diz Doróteia de Souza, coordenadora técnica do Rio Preto, que também não registra suas jogadoras como profissionais.

Até por isso, mesmo antes da final, o clube já celebra a boa campanha, que possibilitará às jogadoras pleitear bolsa atleta do governo federal, no valor de R$ 920 mensais.

O Corinthians estuda profissionalizar sua equipe a partir do ano que vem. Hoje, apenas o Santos tem contrato com quase todas as jogadoras em carteira de trabalho.

O elenco corintiano já conta com aparato multidisciplinar necessário para uma equipe de futebol profissional, com fisioterapeutas, nutricionista e médica, que acompanham a delegação em todos os jogos. 

Esse tipo de estrutura, porém, é raridade no futebol feminino brasileiro. O Rio Preto, por exemplo, não tem um departamento médico.

Para obedecer o regulamento da competição, contrata um profissional de saúde para acompanhar o time nas partidas como mandante. Como visitante, usa emprestado um profissional dos adversários.

A comissão técnica é enxuta. Tem uma preparadora de goleiras, uma massagista e o treinador Francisco Reguera Inojo, o Chicão. A função de preparadora física é exercida pela volante Jéssica de Lima.

Com orçamento reduzido para este ano, a equipe perdeu 12 jogadoras da temporada passada. Entre as que saíram estão Millene e Adriana, que agora estão no Corinthians, e Darlene, do Benfica.

“Tocamos aqui pelo amor, pela paixão. Até quando eu vou aguentar eu não sei, mas não me vejo fazendo outra coisa”, afirma Doróteia.

A precariedade das equipes femininas é resultado também da falta de investimento.

A CBF, que na última segunda (22) fez uma homenagem à jogadora Marta, pela sexta vez eleita a melhor jogadora do mundo pela Fifa, paga prêmio de apenas R$ 120 mil ao time campeão brasileiro. O valor é menos de 1% do que é pago para o campeão masculino (R$ 18 milhões). O vice-campeão receberá R$ 60 mil. 

“[O valor é menor] porque [o torneio] não tem receita. A CBF tem que pagar para fazer o campeonato. Ela tenta fazer alguma coisa para ser generosa, mostrar o mérito, mas tudo é proporcional ao que se pode arrecadar”, disse Marco Aurélio Cunha, coordenador de futebol feminino da CBF.

A confederação não achou interessados para negociar os direitos de transmissão do torneio. A partida final será transmitida apenas pela CBF TV, no site da entidade e em suas contas em redes sociais.

Patrocinadora do Brasileiro de 2013 a 2017, a Caixa Econômica Federal deixou de apoiar o torneio no início do ano. Com isso, a CBF absorveu os custos para sua organização: cerca de R$ 10 milhões.

“Estamos buscando parceiros para subsidiar o próximo Brasileiro. Mas a competição não corre o risco de acabar. Pelo contrário, nossa ideia é tentar ampliar”, diz Cunha.

Se a confederação está longe de equiparar à premiação para as categorias masculina e feminina, outras modalidades já tomaram essa iniciativa.

No mês passado, a WSL (Liga Mundial de Surfe) anunciou que homens e mulheres receberão o mesmo valor de premiação em competições sob a sua chancela a partir de 2019. 

No tênis, os torneios de Grand Slam e alguns eventos de primeira linha também pagam quantias semelhantes para homens e mulheres.

A equiparação financeira era uma das reivindicações das atletas para diminuir a desigualdade de tratamento entre gêneros, situação ainda recorrente em outros esportes. 

A Fifa, por exemplo, ainda não equiparou o valor da premiação dos Mundiais masculino e feminino, mas já afirmou que diminuirá a diferença no Mundial da França, em 2019.

Os valores deverão ser definidos nesta sexta-feira (26), quando será realizada a reunião do conselho da entidade. 

Em 2015, as 24 seleções femininas participantes do Mundial do Canadá repartiram US$ 15 milhões (cerca de R$ 56 milhões) em prêmios. Na Copa do Mundo da Rússia, a federação internacional distribuiu US$ 400 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão) para as 32 seleções masculinas.

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