Comício trumpista em Las Vegas tem malhação da imprensa e euforia
No começo, parece um show de rock. Ou talvez de country, já que estamos em Las Vegas, cidade que adora um rodeio.
Todo mundo quer ver seu ídolo, tirar fotos, filmar ele entrando, acenando. Todo mundo é amigo, passa perrengue junto na fila, troca sorrisos e gentilezas.
Até que o show começa e o herói abre a boca. Ele ataca seus adversários, e os fãs vão à loucura. Ele também xinga a imprensa uma, duas, três, quatro vezes. O show vira uma inquisição e há muito ódio no ar.
Fui ao comício de Donald Trump na noite de quinta-feira (20). Em vez de ficar no espaço fechado à imprensa, de frente para o centro do palco no fundo do salão, fui com os fãs do presidente americano. Toleramos juntos duas horas de fila para conseguir entrar no Centro de Convenções.
Muita gente foi de vermelho, com o boné "Make America Great Again" ou com camisetas com o slogan "Sou Deplorável", uma versão trumpista do "Nasty Woman" (mulher nojenta), loas que Hillary Clinton e Trump trocaram na eleição de 2016.
Entre os apoiadores do presidente, tem de tudo. Gente bonita, feia, gorda, magra, moderna, velhos e crianças. Há tantos homens quanto mulheres. Há pouquíssimos negros e latinos. Os que vendiam tranqueiras na fila eram negros. Um deles disse que apoiava Trump e viajava para todos os cantos que ele ia para vender suas camisetas, bandeiras e bonés.
Na fila, escuto coisas que não se fala a jornalistas. "Minha irmã é uma retardada que vive de auxílio do governo, uma vergonha para a família", diz a morena à minha frente.
Sua amiga puxa conversa comigo e digo que moro na Califórnia. "A Califórnia devia ser vendida ao México, é uma vergonha o que acontece lá", diz, complementando com palavrões. "A Califórnia podia se desprender do continente e afundar no oceano."
Ela está solteira e adoraria encontrar um marido no comício. "Já namorei um progressista e foi horrível", diz.
Tanto na fila como no do salão os fãs parecem compartilhar um sentimento de perseguição. Qualquer burburinho, eles olham em volta. "Devem ser os progressistas com seus protestos", escuto três vezes. Mas nunca tem protesto e isso parece desapontá-los.
Trump fez o comício para pedir, ou melhor, implorar que os habitantes de Nevada saiam de suas casas e votem nas eleições legislativas de novembro. O presidente precisa de apoio, já que cinco de seus assessores já se declararam culpados de acusações ligadas às investigações do promotor especial Robert Mueller sobre o pleito de 2016 e a Rússia.
Ele sobe ao palco ao final da música "Tiny Dancer", de Elton John. Os fãs gritam "coloque ela na cadeia" quando Trump cita Hillary. Os fãs também falam ao mesmo tempo quando Trump diz que alguém é "simplesmente vil". E vaiam com vontade e mostram o dedo do meio para o cercadinho da imprensa quando Trump desanca jornalistas.
"São todos tão corruptos e desonestos", diz, apontando para os jornalistas. "O maior aliado dos democratas é a mídia, é a rede de notícias falsas", continua. "Hoje a imprensa está muito pior. Mas tudo bem, porque ela não tem impacto."
O comício termina com "You Can't Always Get What You Want", dos Rolling Stones. Escolha estranha e triste para um pessoal tão elétrico após 50 minutos de discurso? Ao lado do cercadinho da imprensa, uma garota aponta para os repórteres e grita o refrão: "Nem sempre vocês conseguem o que querem".