Como Tiger Woods superou grave lesão e escândalos para voltar a vencer
Há 18 meses, Tiger Woods precisava de ajuda para se levantar da cama. Lesões nas costas tiraram dos trilhos a sua carreira como golfista, e ele estava a ponto de passar por sua quarta cirurgia, um esforço desesperado para voltar às pistas.
O objetivo primário dele era readquirir mobilidade suficiente para brincar com seus dois filhos, e não para competir com os melhores golfistas do planeta.
Já no domingo (23), Woods estava segurando as lágrimas, no buraco final do Tour Championship, ao conquistar sua primeira vitória em mais de cinco anos. O título coroou uma das mais notáveis voltas por cima da história do esporte e pôs fim às dúvidas sobre se Woods voltaria a ser o atleta do passado, a força mais dominante na história do golfe. Eram dúvidas que ele mesmo sentia.
"Não consigo acreditar que estou aqui", disse Woods, 42, na entrega do troféu por seu 80º título do PGA Tour, o que o deixa apenas duas vitórias atrás do recorde de Sam Snead em sua carreira.
"Talvez eu continue a batalhar para me equiparar a esse número", disse Woods mais tarde. "Talvez consiga ultrapassá-lo".
Ele havia passado perto de vitórias em diversos momentos, neste ano, com recuperações nos buracos finais de torneios que entusiasmaram a torcida, mas não resultaram em títulos. Por fim, Woods triunfou exibindo a forma do passado, dominando a pista do East Lake Golf Club desde o primeiro dia, com um desempenho que combinou magia e método.
Pequenos deslizes nos nove buracos finais do torneio, no domingo, propiciaram um final dramático, mas Woods não se deixou abater superando o segundo colocado, Billy Horschel, por duas tacadas.
David Cook, consultor de psicologia esportiva que trabalhou com centenas de atletas profissionais, entre os quais golfistas da PGA, Tour, definiu Woods como "um dos golfistas mais combativos de todos os tempos, mentalmente".
"Ele foi criado por um pai que foi boina verde e era importante para Tiger que todos o respeitassem por sua combatividade mental", disse Cook. "Foram precisos anos para isso, e ele estava funcionando bem, hoje, em termos emocionais ".
Os torcedores saíram correndo atrás de Woods quando ele percorreu o trecho final da pista, cercando-o cada vez mais, e a equipe de segurança do golfista mal conseguiu conter o frenesi. Woods sempre atraiu grandes torcidas, mas a reação no domingo foi extraordinária. Em dado momento, ele exibiu um pequeno sorriso, olhando para o mar humano que o cercava.
"Eu não queria ser esmagado", disse Woods mais tarde, rindo.
Pela maior parte do dia, ele seguiu sua rotina tradicional, bloqueando qualquer reação à torcida e olhando fixamente para seu objetivo, marchando rumo ao próximo buraco. Esse foco sempre foi parte de sua força. Mas no domingo, quase todas as sensações eram diferentes, mesmo que Woods tenha reconquistado grande parte de seu passado.
Os torcedores que foram ao East Lake o apoiaram com um fervor muito mais afetuoso do que o apoio que ele costumava receber quando destruía clinicamente a oposição, em torneios do passado.
Terry Bradley, que viajou de Louisville, Kentucky, com a mulher, Rachel, para acompanhar Woods no final de semana, disse ter ouvido torcedores gritando encorajamentos do tipo "vamos lá, garoto", como se Woods tivesse voltado no tempo, e não simplesmente recuperado a forma, desde que voltou ao golfe.
"Pensei a respeito e essa é a maior das histórias de retorno", disse Bradley. "Porque ninguém acreditava que ele voltaria a jogar nesse nível. E ele foi obrigado a aceitar muitas humilhações. Ele é humano".
Woods passou por muitos problemas nos 10 últimos anos, não só lesões mas revelações embaraçosas sobre sua vida sexual que resultaram em um divórcio, causaram fuga de patrocinadores e macularam a imagem limpa que ele cultivava mesmo antes de deixar a Universidade Stanford para se tornar golfista profissional. Mas Woods continuou vencendo, acumulando cinco títulos em 2013, antes que suas costas entrassem em colapso.
Pouco mais de um mês depois de sua quarta cirurgia, uma fusão espinhal, Woods foi detido pela polícia sob a acusação de dirigir embriagado, perto de sua casa na Flórida. O relatório de toxicologia identificou cinco drogas em seu organismo, entre as quais dois poderosos analgésicos e um soporífero. Woods se internou para tratar seus vícios depois do episódio.
Mas quando ele fala do momento da virada, é à cirurgia de fusão que ele cita como responsável por lhe devolver a vida e a carreira. Ele voltou ao golfe em dezembro, na posição 1.199 do ranking mundial, e subiu para o 21º posto no início do Tour Championship, que tinha 30 golfistas concorrendo, entre os quais 18 dos 20 atletas mais bem colocados do ranking.
Woods entrou na rodada do domingo com três tacadas de vantagem sobre seus dois desafiantes mais próximos, Justin Rose, o líder do ranking, e Rory McIlroy, que também esteve no topo do ranking recentemente, e com 23 vitórias e zero derrotas ao iniciar uma rodada final com vantagem de pelo menos três tacadas.
Um indicador do domínio que Woods exercia sobre o golfe antes das cirurgias é que, a despeito de todo o tempo que ele passou fora do circuito, agora está empatado com Dustin Johnson em número de vitórias na PGA Tour (19), de 2008 para cá, considerando os jogadores ainda em atividade.
O Tour Championship, evento final da PGA Tour, foi o 18º torneio oficial disputado por Woods em 2018, um a mais do que o seu total de torneios nos quatro anos anteriores combinados, o período em que seu foco era combater a dor debilitante que sentia.
"Nenhum de nós sabia o quanto seus problemas eram graves, porque ele é um cara que guarda as coisas para si", disse Trevor Immelman, que em 2008 derrotou Woods no Masters.
Na noite de domingo, Woods aludiu à seriedade de seus problemas. Ele recordou ter pensado que "será que um dia vou conseguir me sentar, levantar, caminhar, deitar, sem sentir a dor que estou sentindo?"
E também: "Será que o resto da minha vida será assim? Isso tornaria o resto de minha vida difícil demais".
Depois de concluir o torneio, no domingo, Woods trocou longos abraços com outros golfistas de elite, entre os quais Rose, vencedor dos playoffs da FedEx Cup, e Justin Thomas. Ele também deu abraços apertados em seu caddie, Joe LaCava, em sua namorada, Erica Herman, e em seu agente, Mark Steinberg.
"As pessoas mais próximas de mim viram as dificuldades que eu estava enfrentando", disse Woods, "e alguns dos jogadores de quem sou mais amigo realmente me ajudaram no processo, ao longo dos últimos anos. O apoio deles e algumas das coisas que me disseram na saída do torneio foram muito importantes para mim".
Woods também disse que a "intensidade febril" da invasão dos torcedores no 18º buraco foi algo que ele nunca havia experimentado e que jamais esqueceria.
"Creio que as coisas sejam diferentes agora, porque a arte do aplauso desapareceu, não?", disse Woods, sorrindo. "Não dá para aplaudir com o celular na mão, e por isso as pessoas gritam".
Em dado momento do ano, perguntaram a Woods em uma entrevista coletiva se uma vitória em 2018 completaria uma das maiores voltas por cima da história de todos os esportes.
Ele respondeu que seu retorno não era nem mesmo a maior volta por cima da história do golfe, e logo emendou uma lição de história sobre Ben Hogan, que voltou a vencer no Aberto dos Estados Unidos de 1950 depois de sofrer lesões críticas quando o carro que ele dirigia se chocou de frente com um ônibus, 16 meses antes.
Hogan venceu seis de seus nove grandes títulos depois do acidente. Quantos anos e quantas brigas sérias por títulos de primeira linha Woods tem diante dele, realisticamente? A questão talvez seja a causa das emoções exibidas pelos torcedores do golfista este ano.
"Há 18 meses, nós o vimos sendo preso", disse Bradley, o torcedor do Kentucky. "Agora ele está de volta, e provavelmente conseguirá jogar nesse nível por mais três ou quatro anos. Todo mundo quer vê-lo jogar enquanto ainda pode".
Tradução de Paulo Migliacci