Comprado por Hooligans, clube polonês busca novo dono para se reerguer

A terra escura e desnivelada no campo de treino do , na aldeia de Myslenice, 40 minutos ao sul de Cracóvia —a segunda maior cidade da Polônia—, estava completamente congelada no mês passado, quando algumas centenas de torcedores decidiram enfrentar a neve para receber Jakub Blaszczykowski.

O meio-campista de 33 anos participou de algumas das partidas mais importantes do futebol, entre as quais a final da Champions League de 2013, como jogador do Borussia Dortmund, e jogou duas Eurocopas e uma Copa do Mundo, como parte da seleção da Polônia.

Mas naquela tarde de janeiro, Blaszczykowski parecia muito distante desses momentos grandiosos. Em lugar disso, estava a ponto de entrar em campo para seu primeiro amistoso no retorno ao Wisla Krakow, um dos times mais vitoriosos da Polônia. O Wisla é o clube no qual Blaszczykowski ganhou fama, e para o qual prometeu um dia retornar, ao assinar com o Dortmund em 2007.

Ele não estava de volta para preparar uma aposentadoria fácil, ou por um último contrato lucrativo. Na verdade, a verdade era a oposta: Blaszczykowski, conhecido como Kuba, voltou para casa sob um arranjo incomum, nos termos do qual receberia salário zero para jogar, e, em companhia de dois investidores poloneses, emprestaria ao clube 1,33 milhão de zloty (cerca de US$ 350 mil), para que este pudesse pagar os salários atrasados de seus colegas.

O Wisla Krakow ao qual Blaszczykowski voltou, o jogador sabe, está em situação terrível. Seu passado de orgulho foi maculado por uma série de eventos desastrosos, entre os quais a tomada de controle do clube por arruaceiros, desfalques, e um misterioso investidor estrangeiro que se apresentou como salvador, recebeu a propriedade do clube e em seguida desapareceu sem deixar um zloty sequer nos cofres.

DUAS VENDAS CAUSAM PROBLEMAS

Os problemas do Wisla Krakow foram se acumulando ao longo dos anos. Mas começaram a se acelerar em 2016, quando Boguslaw Cupial, proprietário do clube por muito tempo, decidiu vendê-lo.

Cupial era uma das histórias de sucesso na era pós-comunista da história polonesa, depois de se tornar milionário com sua operadora de serviços de cabo, a Tele-Fonika. Em 1997, ele investiu parte dessa fortuna no Wisla, transformando o clube em uma equipe vencedora que conquistou oito títulos poloneses em sua gestão. Mas Cupial sofreu um grande revés com a crise financeira mundial de 2008, e em 2016 vendeu o clube, sempre deficitário, a um comprador local.

O comprador imediatamente revendeu o clube à TS Wisla, uma organização associada a torcedores locais que já controlava as demais equipes esportivas do Wisla Krakow. O homem que havia comprado o clube de Cupial não tinha dinheiro, de acordo com Michal Trela, repórter do jornal esportivo Przeglad Sportowy, de Cracóvia. "Depois de um mês", disse Trela, "os torcedores compraram o clube dele por um zloty"  —cerca de 25 centavos de dólar.

Em uma era futebolística de proprietários estrangeiros riquíssimos, uma venda que desse aos torcedores alguma influência no comando de um clube deveria ter sido refrescante. Mas no caso do Wisla, a transação parece ter transferido o controle a um grupo de arruaceiros do futebol conhecidos como "Tubarões".

"Quase todos os clubes da Polônia têm problemas com o vandalismo de suas torcidas", disse Szymon Jadczak, repórter investigativo da rede de TV polonesa TVN. "Mas no Wisla, os arruaceiros eram o clube".

Os Tubarões eram uma presença ruidosa e intimidadora no estádio do Wisla, e em 2015 um grupo deles conquistou manchetes ao ser fotografado fazendo a saudação nazista em Roma, onde foram assistir a uma partida entre Roma e Lazio. E eram eles que estavam no comando do Wisla Krakow, sob a liderança de Pawel Michalski, que havia servido uma sentença de prisão de mais de seis anos por lançar uma faca contra um jogador italiano, das arquibancadas, em uma partida da Copa da Uefa.

Por meio da TS Wisla, Michalski conseguiu garantir que duas pessoas fortemente conectadas aos Tubarões fossem colocadas no comando do clube. Os contratos do dia a dia, para serviços como limpeza do estádio e impressão dos programas das partidas, foram entregues a amigos e associados da organização, por preços vistos como inflados. O clube, disse Jadczak, "se tornou uma espécie de caixa eletrônico" para pessoas conectadas à liderança dos Tubarões.

 

Quando surgiram questões sobre a gestão, a presidente que assumiu o Wisla depois da tomada de controle pelos Tubarões, Marzena Sarapata, deu uma entrevista coletiva para negar que os arruaceiros exercessem controle sobre o clube. No entanto, poucos meses mais tarde, um mandado de prisão foi emitido contra Michalski, acusado pela polícia de comandar uma organização criminosa e de ter conexões com o tráfico de drogas. Pouco depois, o Serviço Central de Investigações da Polônia realizou uma série de operações nas quais dezenas de torcedores arruaceiros foram detidos. Michalski deixou a Polônia.

A investigação de Jadczak sobre a tomada de controle do clube e os delitos na administração do Wisla, divulgados em uma série de reportagens pela TVN em setembro - foi a gota d'água: os dirigentes do clube renunciaram e a prefeitura de Cracóvia persuadiu as autoridades do futebol polonês a remeter aos cofres municipais qualquer dinheiro devido ao clube, a fim de cobrir o aluguel não pago do estádio municipal em que a equipe manda seus jogos. Michalski terminou detido na Itália; ele será julgado dentro de alguns meses.

Sarapata não respondeu a telefonemas e mensagens do The New York Times, mas deu uma entrevista a um site controlado pela mesma companhia de apostas polonesas que patrocina o Wisla na qual negou todas as acusações.

Enquanto isso, os vídeos que mostram as detenções dos torcedores arruaceiros e as buscas na sede da TS Wisla dificultaram a obtenção de um novo investidor para o clube. E os jogadores não pagos simplesmente entraram na fila com os demais credores.

O Wisla precisava de um salvador.

SALVADOR CHEGA VOANDO EM CLASSE ECONÔMICA

Em dezembro, o clube acreditava ter encontrado um patrono. O empresário franco-cambojano Vanna Ly, que afirmava ter grandes investimentos em clubes de futebol de todo o mundo, anunciou que adquiriria 60% do Wisla Krakow. As ações restantes do clube ficariam em poder da Noble Capital Partners, uma companhia britânica de investimento, representada pelo empreendedor sueco Mats Hartling. O valor reportado da transação foi de 12 milhões de zloty (US$ 3,2 milhões).

Ly checou a Cracóvia para assistir a um jogo e começou a se reunir com pessoas conectadas ao clube. Nenhuma delas sabia grande coisa sobre ele, além de seu nome e da promessa de investir.

"Conversei com Vanna Ly em pessoa, ele é real, ele existe", disse Rafal Wislocki, um dos poucos dirigentes do clube que não foi comprometido por associação com os Tubarões. "Ele tem documentos de identidade. Vi os documentos. Identidade francesa".

Ly, Wislocki e outros dirigentes do clube assistiram a uma derrota do clube por 1 a 0 diante do Lech Poznan, em 21 de dezembro. Foi o último jogo antes da pausa de inverno do campeonato, e apesar da crise o Wisla Krakow detinha um respeitável oitavo lugar, entre os 16 clubes da liga polonesa.

Ly deixou sua insatisfação com o futebol do time bem clara, disse Wislocki, mas ao menos parecia saber como dirigir um clube de futebol. "Quando eu fazia perguntas difíceis, ele sabia as respostas", disse Wislocki.

O contrato de compra foi assinado, ainda que, em retrospecto, dizem os dirigentes do clube, já estivesse claro que havia alguma coisa de errado: apesar de afirmar ter um patrimônio de milhões de dólares, Ly chegou a Cracóvia voando em classe econômica e, quando foi avistado por repórteres saindo da prefeitura de Cracóvia depois de uma reunião, ele tentou se esconder com um guarda-chuva preto.

O grosso do dinheiro para pagar as dívidas do clube deveria ser transferido alguns dias mais tarde, mas não chegou. Primeiro, Ly disse aos dirigentes do Wisla que seu celular havia sido roubado, o que impedia a transferência do dinheiro. Mais tarde, eles foram informados de que Ly havia sofrido um ataque cardíaco em um voo para Nova York em seu jatinho.

O empreendedor não deu mais notícias. A despeito de repetidas tentativas da reportagem para contatá-lo por email ou telefone, ele não respondeu. Hartling respondeu com um email de uma linha: "Ly é um criminoso e será processado por isso".

Perguntado sobre Ly em uma mensagem de texto, Adam Pietrowski, o agente de atletas que levou Hartling ao Wisla e foi presidente do clube por um breve período, respondeu com um emoji: uma carinha triste com nariz de Pinóquio.

Àquela altura, o Wisla Krakow tinha problemas ainda maiores do que o sumiço de um investidor: a janela de transferências de meio de temporada do futebol europeu se abriria em 1º de janeiro, e o Wisla tinha poucas semanas para estabilizar seus assuntos, recuperar a licença de operação suspensa por causa de seus problemas financeiros, e evitar a saída dos jogadores que continuavam a não receber salários.

Wislocki, que foi um diretor bem sucedido da escolinha de futebol do clube, foi apontado presidente. Blaszczykowski, que vinha em má fase em seu clube na Alemanha, o Wolfsburg, sinalizou que consideraria um retorno ao Wisla. Em janeiro, ele e os dois investidores uniram forças para fazer uma injeção de capital vital para o pagamento dos salários atrasados. Mas ele retardou a assinatura de seu contrato ate que a restauração da licença do clube para jogar fosse assegurada.

Por fim, o Wisla vendeu oito de seus jogadores em janeiro, mas o dinheiro de Blaszczykowski, bem como a promessa de jogar em companhia de um jogador reverenciado no futebol polonês, contiveram a fuga de talentos.

"Kuba nos leva a acreditar que recuperaremos a grandeza deste clube", disse Wislocki.

UM RENASCIMENTO NO FRIO

Poucos dias depois do primeiro amistoso, Blaszczykowski voltou ao gélido campo de Myslenice, com uma multidão gritando seu nome. O frio era ainda mais intenso, se é que isso é possível. O Wisla perdeu de novo, por 3 a 2, e a torcida uma vez mais se reuniu na entrada do  centro de treinamento, na esperança de tirar uma foto com Kuba.

No começo do segundo tempo da partida, surgiu a notícia de que a crise mais urgente do Wisla estava resolvida: a liga havia restaurado sua licença, o que permitia que o clube vendesse ingressos para as partidas restantes da temporada. Wislocki anunciou que 5% das ações do clube seriam vendidas aos torcedores; em menos de 24 horas, a oferta gerou quatro milhões de zloty (pouco mais de US$ 1 milhão) em capital.

Blaszczykowski por fim assinou seu contrato, ainda que as regras da federação o proíbam de jogar de graça. Em lugar disso, ele doará seu salário de 500 zloty (o mínimo da liga) a uma casa de crianças carentes em Cracóvia. Ele estreou na liga em uma derrota por 2 a 0 contra o Gornic Zabrze, na semana passada.

O clube ainda precisa encontrar um novo proprietário - sem isso, disse o jornalista Trela, "será impossível renovar a licença para a próxima temporada". Mas a situação do Wisla se aliviou um pouco.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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