Congresso da Língua hispânica encara o dilema do idioma inclusivo
Cartaz do CILE diante do Cabildo, no centro da cidade histórica de Córdoba (Foto La Voz del Interior)
Começa nesta quarta-feira (27), na cidade argentina de Córdoba, algo que os luso-parlantes deveriam começar a fazer, pelo menos nessa escala. Reunir-se com frequência. É o que ocorre durante o Congresso Internacional da Língua Espanhola (CILE), que tem lugar a cada três anos em uma das cidades deste imenso universo dos hispano-parlantes, com representantes de mais de 50 países. Hoje, mais de 400 milhões de pessoas no mundo crescem tendo o espanhol como idioma nativo. Outros 9 milhões aprendem como um segundo idioma. Para uma comparação, os que aprendem inglês de forma nativa são um pouco menos, 360 milhões, apesar de ganharem dos espanhóis ao ser um idioma exigido em praticamente todas as áreas profissionais de especialização, na internet e em viagens.
Pois, esse congresso costuma incluir um sem-número de atividades em torno de temas como as transformações do idioma usado na Espanha em contraposição ao usado nas Américas, as reformas ortográficas, a inclusão de novos vocábulos, o modo como a língua se transforma no dia-a-dia em cada canto onde é usada, localismos e internacionalismos.
Neste ano, a contragosto da RAE (Real Academia Espanhola) e apenas de modo paralelo, será também debatida a linguagem inclusiva. A pressão para que isso ocorra vem por meio de movimentos feministas e integrantes de grupos de LGBT. Mas, é tão grande, que os próprios sábios do conselho maior da língua já dizem que não impedirão que as conversas aconteçam.
Mas o que é a linguagem inclusiva? Esse ainda é um ponto aberto, pois ainda não foi sistematizada de modo detalhado. Porém, diz respeito a não identificar mais os gêneros, todas e todos viram “todes”, amigas e amigos viram “amigues”, e deixa-se de dizer “o homem” como sinônimo de humanidade, entre tantas outras medidas.
A ideia é tirar os “ranços machistas” do idioma, e evitar palavras que tratem a mulher de modo inferior, segundo seus militantes.
Manifestante usa camiseta com conjugações em linguagem inclusiva (Foto: La Nación)
Porém, o encontro nada se parecerá a um confronto. Serão três dias de festa, com presença de diversos artistas. Da música, estará na Argentina Joaquin Sabina, um cantor espanhol que parece fazer mais sucesso nos países latino-americanos do que no seu. E escritores. São eles, entre outros: o chileno Jorge Edwards, os mexicanos Juan Villoro, Jorge Volpi e Paco Ignacio Taibo II, o nicaraguense Sergio Ramírez, o peruano Mario Vargas Llosa, o argentino Martín Caparrós, as argentinas Luisa Valenzuela e Elsa Osorio, entre outros. Quem disse que o Brasil fica de fora? Nossa referência para a literatura em espanhol e as convergências do espanhol com o português, Nélida Piñon, também estará lá. Além de convidados dos EUA, Canadá, Israel e China.
Haverá homenagens, ao ex-diretor da RAE, Víctor García de la Concha, e ao compositor Manuel de Falla (1876-1946), que morreu em Alta Gracia, na Argentina, na mesmíssima província de Córdoba. Também haverá um espaço para o jornalismo e debates sobre as transformações no idioma por meio desse ofício e seus desdobramentos na área digital.
O encontro principal ocorre no Teatro del Libertador de Córdoba e será inaugurado por uma conversa entre o Nobel peruano Mario Vargas Llosa, a escritora espanhola Carme Riera e a política costarricense Rebeca Grynspan. Estarão nesta sessão de abertura, como sempre, o rei da Espanha, Felipe, que costuma fazer o discurso que abre o evento, e o presidente argentino, Mauricio Macri, seu anfitrião.
O Congresso da Língua tem anos memoráveis e outros mais discretos. Estive num em que devo ter tido muito sorte. Foi em 2007, porque coincidiu com ser aquele em que Gabriel García Márquez (1927-2014), em sua mágica Cartagena, celebrava seus 80 anos e os 40 de “Cem Anos de Solidão”. O discurso do Nobel comoveu os presentes:
Não sei se o encontro em Córdoba pode causar tal nível de comoção. A costa colombiana é distinta das montanhas que rodeiam Córdoba. Mas também esta cidade, a segunda maior da Argentina, tem suas peculiaridades em relação ao idioma e ao conhecimento. Foi a primeira na Argentina a receber uma universidade e um observatório espacial. Durante toda a Colônia, guardou a fama de ser a mais culta das outras regiões argentinas e onde os filhos das elites, que não podiam ir para a Europa, iam estudar.
Haverá dois representantes da RAE (Real Academia Espanhola), que delibera sobre as mudanças no idioma. São eles que podem decidir se a língua de Cervantes dará um passo no caminho da inclusão ou mesmo se algum pedido feito aqui seja levado a Madri. Da capital da Espanha, porém, já veio a ducha de água fria, o novo sistema de conjugar verbos ou de referir-se a pessoas sem contar o gênero, por ora, está fora do radar da tradicional instituição, embora venha se popularizando muito entre os jovens, especialmente entre os argentinos.
Estaremos acompanhando os debate.