Conheça e Assista - Paulo Oliveira
Conheça e Assista é a seção do Música em Letras dedicada a perfis de artistas e profissionais relacionados à música. Muitos desses artistas, embora com carreiras estabelecidas e reconhecidas por seus pares, não têm seus nomes identificados imediatamente pelo público.
Mesmo para quem milita na área, como é meu caso, histórias e trajetórias de personagens que contribuem de modo relevante para nosso universo sonoro podem passar despercebidas. Por isso, aproveito para contar aqui como acontecem esses encontros, misto de atenção, acasos felizes, contatos e um pouco de sorte.
Conheça o paulistano Paulo Oliveira, 31, aqui registrado em música, letras, fotos e vídeo, em Diadema, zona sudeste da Grande São Paulo, onde Oliveira cresceu ao lado do pai (técnico eletricista), da mãe (dona de casa) e de dois irmãos mais novos, além de muito ruído.
No dia da entrevista para o blog, sons de serras elétricas, aviões, caminhões de gás, cães, carros, motos deram canja o tempo todo. Os ruídos não pouparam interferências no som do instrumentista, nem mesmo no momento em que ele mostrou, com exclusividade para o Música em Letras, um novo arranjo que fez de “Autumm Leaves”, de Joseph Kosma (1905- 1969) e Jacques Prévert (1900-1977). (Veja vídeo no final)
PRIMEIROS CONTATOS
Na internet, você pode encontrar o ecletismo de Paulo Oliveira no YouTube por meio de “Nardis”, de Miles Davis (1926-1991); “Giant Steps”, de John Coltrane (1926-1967); “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim (1927-1994) e Vinícius de Moraes (1913-1980); ou “The Juggler’s Etude”, de Ralph Towner, entre outros registros.
Nos Estado Unidos, onde atua como artista e professor, Oliveira pode ser encontrado na Belmont University School of Music, em Nashville, onde é “assistant professor” –primeiro nível de professor titular na hierarquia acadêmica norte-americana.
Em São Paulo, eu o encontrei no concerto comemorativo dos 65 anos do violonista, compositor e professor e Paulo Porto Alegre. O evento aconteceu no dia 30 de maio, uma ordinária e nublada quarta-feira que, entre as 15h e 16h30, ganhou a relevância de um sabadão ensolarado, por meio das músicas e interpretações que aconteceram na bela sala do conservatório do Paço das Artes. Outros dois violonistas, além de Oliveira, também abrilhantaram o evento: Edelton Gloeden e Chrystian Dozza.
Entre os artistas que participaram do concerto estavam Rosana Civille (piano), Andrea Kaiser (canto) e Rogerio Wolf (flauta), que ultrapassa o limite de um excelente flautista, pois Wolf é a flauta. Além disso, sua afinação irrita até o mais preciso diapasão, que corre o risco de estar um pouco acima ou abaixo da afinação, em comparação ao músico.
No término do concerto rolou um “Parabéns” para Paulo Porto Alegre, não muito afinado, mas regado a acepipes, champanhe, bolo e salamaleques. Nesse momento, Oliveira foi apresentado a mim por Chrystian Dozza, outro violonista que “faz bonito” dentro e fora do país. Dozza estava de saída para uma turnê pela Austrália e Oliveira retornaria em breve para os Estados Unidos onde mora e trabalha.
Trocamos ideias, telefones e Oliveira me deu seu CD “Two Hemisphere”, um duo dele com o oboísta americano Dan Willet. Além do disco, o músico também me deu um cartão. Sim, um cartão da Belmont University, com seu nome, pois Oliveira está sempre “by the book”, expressão em inglês usada bastante por ele e que significa “como manda o figurino” ou “de acordo com as regras”.
De acordo com minhas regras, ouvi o disco, pesquisei sobre Oliveira, assisti seus vídeos e li o que pude a seu respeito no intuito de mostrar para os leitores não especializados quem é esse ilustre desconhecido.
Armamos dia, hora, local e realizamos a matéria a seguir, com a trajetória de Oliveira, que serve de exemplo de determinação de um ser movido pela música.
Trata-se da história bem-sucedida de um profissional brasileiro, sem prazo para parar de evoluir dentro do meio acadêmico, dos estúdios e dos palcos do mundo.
GÊNESE
No Brasil, Oliveira sempre estudou em escolas públicas: Escola Estadual Prof. Marie Nader Calfat e na EMEB Carolina Maria de Jesus, as duas em Diadema, além de ter aprendido eletrônica no SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Em nenhuma das duas instituições escolares estudou música.
Oliveira é o primeiro de sua família a se tornar músico profissional. Sua primeira lembrança musical está ligada à igreja católica, onde ficava deslumbrado ao assistir instrumentistas. “A primeira vez que vi um cara tocando violão, e um outro, bateria, foi na igreja. Tenho um tio que toca teclado e outro que tocava violão, mas amadores. Lembro deles tocando e de que aquilo era uma coisa bacana de ver, mesmo sem serem profissionais”, disse o músico que tocou pela primeira vez para o público em uma igreja.
Com 11 anos, Paulo Oliveira iniciou seus estudos de violão, em Diadema. A primeira música que aprendeu em um violão dado por um dos tios foi “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, de Geraldo Vandré.
Cantar também estava no gosto do jovem que tocava e interpretava rock nacional do Legião Urbana e Paralamas, entre outros grupos que encontrava nas revistinhas cifradas para violão.
A MPB chegou aos poucos. O tio de Oliveira conhecia o professor e violonista popular Geraldo Santos (músico da noite paulistana), que sabia ler música. O tio indicou o sobrinho como aluno e nasceu, assim, aos 12 anos, o estudante talentoso e interessado em aprender solfejo, harmonia e notação musical.
Por meio de Geraldo Santos, Paulo Oliveira, ouviu falar da EMMSP (Escola Municipal de Música de São Paulo). “Lá ofereciam curso gratuito de violão clássico, mas eu nem sabia o que isso significava. Eram vagas muito disputadas. O Geraldo, mesmo sem ser violonista clássico, me ajudou a preparar as peças para audição e consegui entrar”, contou o instrumentista que apresentou “Lágrima” de Francisco Tarrega (1852- 1909), peça que estava muito acima de suas capacidades técnicas: “Nem unha para tocar eu tinha”.
Em 2001, Oliveira ingressa na EMMSP no intuito de após 7 anos sair da instituição formado em violão erudito. No primeiro ano, teve aulas com Edelton Gloeden, antes de ser aluno de Paulo Porto Alegre, com quem aprendeu sobre o instrumento durante três anos.
Em 2004, Oliveira cursava o último ano do ensino médio, hora de prestar o vestibular. Entrou na ULM (Universidade Livre de Música), em São Paulo, para estudar guitarra, e lá teve seu primeiro contato com o jazz nas aulas de Marcelo Munari.
Oliveira também prestou vestibular para o curso de violão clássico da Universidade Cruzeiro do Sul, em São Miguel Paulista, onde descolou uma bolsa de estudos integral. Largou a ULM e a EMMSP para se dedicar durante três anos à faculdade.
Oliveira, morando em Diadema, acordava todos os dias às 5h e, após dois ônibus e dois metrôs- cerca de duas horas de viagem-, chegava à tempo para assistir as aulas da manhã. Aulas de violão, de terça-feira a sábado, no período da tarde e da noite, era o próprio Oliveira quem dava em um conservatório de São Bernardo do Campo. “Acordava, ia para São Miguel [faculdade], voltava para Diadema [casa] e ia para São Bernardo [conservatório], antes de voltar para casa estudar um pouco e descansar.”
Após um ano nesse esgotante vai e vem Oliveira sacou que se quisesse se dar bem na música deveria mudar sua rotina, principalmente no que se referia ao tempo. O músico alugou uma casa com uns camaradas em São Miguel, ao lado da universidade que cursava. Passou a morar de segunda a sexta em São Miguel e nos finais de semana ia para casa dos pais, em Diadema. “Limei 70% dos meus alunos e dava aulas só às quintas, das 14h às 22h, em São Bernardo.”
Segundo o artista, essa mudança o alavancou nos estudos, pois passou a ter quase todas as tardes livres para se dedicar ao violão.
Drogas, bebidas e qualquer outro aditivo nunca fizeram parte da vida do músico. “Sou careta”, disse Oliveira que se formou bacharel em música, com habilitação em violão clássico.
FORMADO E ESTUDANTE
Em 2007, com o canudo na mão, Oliveira ficou sem saber direito o que fazer. Tentou novamente uma vaga na ULM, onde queria voltar a estudar guitarra, e na EMMSP, onde pretendia estudar novamente violão. Em 2008, conseguiu entrar nas duas instituições.
Oliveira havia ficado “camarada” de Paulo Porto Alegre e queria estudar novamente com ele, mas por se encontrar em um outro nível técnico, mais amadurecido, foi orientado pelo visionário professor a ser aluno de Henrique Pinto (1941-2010), um dos principais professores de violão do Brasil. Assim, segundo Porto Alegre, o aluno daria um upgrade na carreira. “Essa sacada do Paulo foi um adianto, pois aprendi muito com o Henrique Pinto. Ele me ajudou muito no aspecto profissional”, falou o artista sobre o professor que direcionava a carreira dos seus pupilos, além de ser sagaz o suficiente para detectar rapidamente a deficiência de cada aluno e saná-la com maestria.
O mestre Henrique Pinto motivou Oliveira a participar de concursos de violão. “Participei de vários enquanto estava com o Henrique. Em 2009, participei de quatro e fui premiado em todos eles: Concurso Musicales, Concurso Souza Lima, Concurso do Conservatório Villa-Lobos, no MASP, e o Concurso da FITO [Fundação Instituto Tecnológico de Osasco].”
Pouco antes desse feito, Henrique Pinto já “botava pilha” no aluno, perguntando se ele não queria estudar fora do país, na Europa ou nos Estados Unidos.
Motivado, Oliveira percebeu que, além de precisar tocar bem e estar solidamente preparado musicalmente, necessitava levar na bagagem o inglês como língua. Na ocasião, seu conhecimento era restrito a duas palavras do idioma: yes e no. Optou pelo yes quando decidiu a aprender a língua.
Com 22 anos, o artista se matriculou em uma escola de idiomas, em São Bernardo do Campo, onde estudava inglês todos os dias, das 7h às 8h, ou das 7h às 9h, dependendo do dia.
Ainda com o inglês em formação, Oliveira enviou um e-mail para tentar uma vaga no mestrado da universidade do Missouri, nos Estados Unidos. O porquê da escolha? Oliveira havia lido e gostado muito do livro “Classical Guitar Pedagogy”, de Anthony Glise, um dos professores da instituição.
“Na época, ele [Glise] estava interessado em levar para a universidade um aluno internacional e havia uma bolsa para isso, mas o que pegava não era tanto a parte musical, e sim a prova de inglês, o TOEFL [rigoroso exame de inglês como língua estrangeira exigido dos alunos para entrar nas universidades de língua inglesa]”, contou o instrumentista que estudou “pra cacete” durante o mês de dezembro de 2010, passou no Toefl na primeira tentativa e conquistou a bolsa para o mestrado nos Estados Unidos.
Concomitantemente ao mestrado, Oliveira abraçou a oportunidade de dar aulas, como professor temporário, em outra universidade, a Westminster College, também no Missouri. “No mestrado, além da bolsa, ganhava um salariozinho por ser professor assistente de violão clássico; no Westminster College tirava outro salário, como professor horista, dando aulas de violão popular uma vez por semana, durante o dia todo.”
No mestrado, Oliveira passou dois anos de sua vida com total dedicação. Contudo, segundo o artista, o começo foi “punk”. “Até entender como funcionava o sistema das universidades americanas penei. Por mais que tivesse esses dois trampos, a grana era curta porque eu tinha muito gasto. Tive muitos momentos estressantes, mas consegui sobreviver ao primeiro semestre e ter mais alunos do segundo semestre em diante.”
A CHEGADA DO JAZZ
Por ter estudado muito o instrumento durante o mestrado, Oliveira pegou uma espécie de “bode” do violão, mesmo continuando a ganhar concursos em meio a outros competidores estrangeiros.
Naquele momento, um professor da mesma instituição onde havia realizado seu mestrado em violão clássico o convidou para fazer outro mestrado, dessa vez, em “jazz performance pedagogy”, no qual utilizaria mais a guitarra. “Aí foram mais dois anos em performance e pedagogia em jazz, o que totalizou quatro anos de estudos na Universidade do Missouri”, contou o músico que ingressou na instituição em agosto de 2011, e saiu de lá em maio de 2015. Durante esse período, Oliveira tocou com a big band da Universidade do Missouri gravando três CDs, sendo que em dois deles há composições e arranjos dele feitos especialmente para essa formação. Entre as músicas, “Samba do Vento”, que contou na gravação com a participação do saxofonista Jimmy Greene.
Um doutorado passou a ser a meta de Oliveira após o mestrado. Depois de pesquisar, o músico realizou audições nas universidades da Carolina do Sul, Illinois, Nebraska e Colorado. Foi aprovado em todas.
Na maioria das vagas de doutorado disponíveis nos Estados Unidos, primeiro é preciso ser aprovado para depois negociar a bolsa de estudos. Nas universidades americanas, o candidato geralmente é admitido como aluno e também como professor. “Para mim sempre foi um puta negócio porque, além de receber um salário trabalhando, podia estudar.”
Das quatro universidades que Oliveira concorreu às vagas para o doutorado – e ganhou –, duas destinavam-se ao estudo de violão clássico e as outras duas ao jazz. “Só que eu queria um programa que conseguisse combinar essas duas vertentes. A universidade do Colorado, apesar de direcionar o programa para o violão clássico, também disponibilizava um programa de jazz muito bom”, contou o músico que na ocasião estava com 28 anos.
Na época, Oliveira foi convidado para realizar uma residência no sul da França, onde se apresentou solo e acompanhando o oboísta Dan Willet, além de ministrar um curso de improvisação para músicos clássicos. “Foi minha primeira vez na Europa e adorei.”
No retorno de Europa, em agosto de 2015, o artista carregou um carro com seus pertences e dirigiu-o durante 12 horas, do Missouri até Boulder, cidade perto de Denver, no Colorado, onde optou por realizar seu doutorado em um prazo de três anos. “Iniciei o doutorado e adorei a cidade, o programa e a autonomia que me foi dada como professor ao orientar vários alunos de graduação”, contou o instrumentista que durante esse período formou duos com um vibrafonista, um saxofonista soprano, um clarinetista e tocou com um quarteto de cordas, trafegando pelo clássico e pelo popular.
Nos períodos de férias, o músico retornava ao Brasil e realizava residências, tocando bastante na região do ABC paulista, em São Bernardo e Ribeirão Pires, além de concertos que aconteceram em São Paulo, Recife e Porto Alegre.
Nos primeiros três semestres em que Oliveira estava fazendo o doutorado no Colorado, o músico conseguiu terminar a carga de cursos que devia realizar sobrando tempo para trabalhar em sua dissertação e em seu projeto final.
MUDANÇA DE VIDA
Concluído o doutorado, Oliveira deu início à busca por uma vaga de professor universitário, no Brasil ou nos Estados Unidos. A única prerrogativa, além de dar aulas em uma universidade boa, era de tocar e manter sua carreira como performer. “Foi quando encontrei essa vaga na Belmont, em Nashville [Tennessee], uma universidade grande e muito conceituada nos Estados Unidos que precisava de um cara que tocasse rock e jazz, um músico híbrido. Reuni um material imenso e enviei para eles, mas achando que não teria chance porque a vaga era muito disputada”, falou o músico que foi aprovado por unanimidade na instituição ao apresentar grande domínio entre os gêneros musicais solicitados.
A partir desse momento houve uma inversão significativa no status de vida do músico, pois se antes era ele que queria permanecer nos Estados Unidos, depois de receber o título de doutor, o país o acolheu no intuito de que seu valioso conhecimento e fazer artístico fossem compartilhados.
Além de contar com salário, plano de saúde e plano de aposentadoria, Oliveira passou a integrar um fundo de desenvolvimento profissional que ajuda financeiramente o artista. “Por exemplo, vim para o Brasil e dei aulas na EMMSP, além de tocar no teatro Municipal de São Paulo e realizar outros recitais onde propago o nome da universidade em todos os eventos.”
O artista reúne todo material impresso dos concertos e aulas que participou e os entrega para a universidade como prova de seu trabalho. “Eles ajudam, mas temos que fazer tudo ‘by the book’, como se diz nos Estados Unidos, para justificar o suporte dado.”
“DOIS HEMISFÉRIOS”
Segundo Oliveira, um programa de doutorado em performance, nos Estados Unidos, difere muito dos programas brasileiros. “Tive vários projetos de performance para serem apresentados. Entre eles de pesquisa, de escrever peças, arranjos e a gravação de um disco”, falou o músico referindo-se ao CD “Dois Hemisférios”, gravado em duo com o oboísta norte-americano Dan Willet, professor titular do instrumento na universidade do Missouri por mais de 30 anos.
No CD – disponível no I-Tunes e na Amazon-, todos os arranjos foram escritos por Oliveira para violão, oboé e corne inglês no intuito de mostrar as particularidades de dois gêneros musicais distintos, o popular e o clássico, por meio da musicalidade de dois cidadãos de origem também diferentes.“O duo de violão e oboé não é tão comum e no disco mostramos isso através de músicas compostas por compositores do Brasil e dos Estados Unidos.”
FAIXA A FAIXA DO CD “DOIS HEMISFÉRIOS” POR PAULO OLIVEIRA
1- “Samba do Vento”, de Paulo Oliveira
“Essa peça foi escrita por mim inicialmente para uma big band da Universidade do Missouri. No disco, ela foi reduzida para esse duo. Nela pode-se perceber a influência que carrego de Tom Jobim e que a parte do violão tem uma certa liberdade, com mais improvisação, ao contrário do oboé, que teve tudo escrito.”
2- “Girl from Ipanema”, de Tom Jobim
“Essa é uma das peças mais gravadas na história da música moderna e por isso pensamos muito antes de gravá-la. Daí esse arranjo ser bem diferente e para corne inglês. Norte-americanos, ao ouvirem a música, pensam em mulheres bonitas, sol, Rio de Janeiro, mas esse arranjo é superdark que remete a um Rio de Janeiro, no inverno, anoitecendo e garoando. Para isso, coloquei-a em um modo menor, mais lenta e usando uma sonoridade mais escura e grave do corne inglês. É bem diferente da versão original, para destruir justamente o estereótipo do calor.”
3- “Icarus”, de Ralph Tower
“As três peças a seguir estão conectadas, pois são de Ralph Tower, compositor e violonista que me influenciou muito por ter uma formação clássica, mas ser um cara do jazz também. Essa é a única peça dele que está no repertório do Real Book [livro que reúne os temas mais populares do jazz].”
4- “Beneath na Evening Sky”, de Ralph Towner
“Essa música foi muito tocada pelo Oregon [grupo de jazz e world music americano formado nos anos 1970, com a participação de Ralph Towner, Paul McCandless, Glen Moore e Collin Walcott]. Aqui mantive a essência da peça mesmo usando uma harmonia diferente.”
5- “Juggler Etude”, de Ralph Towner
“A única peça do disco que não é um arranjo. Ela é escrita para violão e oboé. Na verdade, o Ralph Towner escreveu para violão solo, parte de uma suíte para violão, na qual ela é último movimento. No mundo do violão ela é uma peça robusta, pois tem mais de 7 minutos. É diferente das sonatas para piano ou peças orquestrais, por exemplo, de Beethoven, que são todas longas. Cameristicamente falando, essa peça é supercomplicada. A parte do violão, ritmicamente, exige um refinamento grande, e a do oboé também. Embora haja uma parte, no meio, com caráter improvisatório, está tudo escrito, o que mantive. Penso que nela há o meu lado erudito falando mais alto.”
6- “Senhorinha”, de Guinga
“Aqui retornamos para o Brasil. Tentamos conservar a simplicidade que existe nessa melodia, principalmente para darmos um respiro, um relax, após a pedrada que é ‘Juggler Etude’. Essa música é linda, pois o melodismo e a harmonia do Guinga falam por si.”
7- “Question & Answer”, de Pat Metheny
“Agora damos início a três peças do Pat Metheny que tocamos como se fossem uma suíte. Todas estão na mesma tonalidade [em ré] e trazem um caráter homofônico com o violão acompanhando, além do caráter contrapontístico. Essa versão eu havia escrito anteriormente para violão solo, depois acrescentei o oboé.”
8- “Bright Size Life”, de Pat Metheny
“Do primeiro disco do Pat Metheny, da ECM, com o Jaco Pastourius, um álbum que sempre adorei. Nosso approach aqui funciona como um segundo movimento, no qual derrubamos o tempo dela deixando-a mais lenta. Peguei o solo de guitarra do Pat, no disco, e adaptamos para o oboé.”
9- “James”, de Pat Metheny
“Uma peça muito importante do Pat, um pouco mais rápida, para fechar a suíte que propomos no disco. Ela também apresenta uma sessão de contraponto e uma parte mais para o suingue, com um pouco de sabor espanhol por conta de umas escalinhas que coloquei .”
10- “Valsa”, de Camilo Carrara
“O Camilo é um violonista de São Paulo com quem tive alguns professores em comum, o Paulo [Porto Alegre] e o Conrado [Paulino]. Essa peça, uma valsa singela e muito bonita, foi sugerida pelo Dan [Willet] que conheceu o Camilo em um festival que aconteceu em Londrina. Mantivemos a essência dela mesmo modificando e acrescentando umas coisinhas.”
11- “Southern Skies” / 12- “Northern Lights”- “Two Hemispheres”, de Paulo Oliveira
“‘Southern Skies’ [faixa 11] e a próxima peça, ‘Northern Lights’ [faixa 12], foram escritas especialmente para este disco. É uma peça com dois movimentos para trazer a ideia de dois hemisférios. Não há nada nelas, em termos de composição, que as tornem contrastantes entre si. Quis escrever mais uma peça para violão e corne inglês, que é menos usual que violão e oboé, usando mais a região grave do corne inglês, fazendo umas camas para o violão poder executar umas linhas onde o pensamento harmônico não tem um centro tonal definido, embora se escute os acordes se movendo, mas sem apresentar aquela coisa funcional de maneira clara. Como a compus na Georgia, região sul dos Estados Unidos, ela ganhou esse nome de ‘Southern Skies’, que tem uma harmonia mais cromática com influência do rock progressivo. O movimento ‘Northern Lights’ batizado pelo Dan, tende para uma coisa mais tonal e melódica.
13- “Uma Valsa Para Três”, de Chico Pinheiro
“O Chico é um grande guitarrista brasileiro que mora nos Estados Unidos. Compositor e instrumentista de primeira linha, o Chico tem uma versão dessa valsa gravada pela Tatiana Parra [cantora], arranjada pela Débora Gurgel [pianista, flautista, compositora e arranjadora] que foi minha professora e virou minha amiga querida. A Débora escreveu para piano, clarinete e voz com contrapontos lindos para o clarinete. Pedi para ela o arranjo, chamei um amigo [Jeremiah Rittel] clarinetista, reduzi o piano para o violão refazendo a parte mantendo algumas vozes e reorquestrei a peça. Parte da melodia vai para o violão, para o corne inglês e adicionei um clarone fazendo as linhas de baixo para eu poder fazer um solo de violão. Esse é um dos arranjos que mais gosto do disco.”
14 “Green and Golden”, de Ralph Towner
“O Dan queria fechar o disco com essa peça, por isso ela não está junto das outras compostas pelo Ralph Towner. Também porque as outras carregam aquela coisa de suíte, rápido, lento e rápido. Segundo o Dan, essa música tem uma coisa de despedida. Ela foi composta para violão solo, mas aqui aparece nessa versão em que acrescentamos o oboé. Embora ela pareça muito simples e melódica, quando você olha a partitura e vê que cada compasso tem uma formula diferente, tem que contar para caramba, mas soa orgânico. É uma soma com coisas escritas e improvisadas.”
MOTIVAÇÃO
Em suma, Paulo Oliveira está sempre tocando. Mas é um músico que gosta do ensino, do ambiente acadêmico, e de orientar alunos de mestrado, pois reconhece que isso tudo o ajuda – e muito – a se reciclar. Ao retornar para os Estados Unidos, entre seus vários compromissos, o artista irá se apresentar em uma grande convenção de professores de universidades públicas do estado do Tennessee, que acontecerá em Nashville.
Perguntado o que faz com que transite entre esses dois mundos, o acadêmico e o dos palcos, passando por todas as dificuldades que passou, o músico respondeu: “Pode até soar meio romântico, do século 19, o que vou dizer: acho que é o amor pela música, mais do que apenas pelo violão. Lógico, o violão é meu instrumento, mas eu gosto, escuto e vivo muito a música. Quando falo com meus amigos quero falar de música; quando faço compras, quero comprar livros de música, então reconheço ter uma relação especial com a música, embora haja momentos muito difíceis para serem superados. Aprender outra língua, e adquirir culturalmente outras vivências não é fácil. Viver de música no Brasil, nos Estados Unidos ou na Europa não é fácil. Tem que acordar cedo do mesmo jeito e fazer tudo bem feito. Não cabe fazer nada pela metade. Tem que ser determinado e ter certeza do que se quer; eu nunca me vi fazendo outra coisa que não música.”
Para os mais céticos, acostumados a dizer que músicos exímios não se relacionam com outras pessoas, só com a música, Paulo Oliveira argumenta: “Tenho uma namorada que é primeira flautista de uma orquestra sinfônica em Indiana, além de também ser professora universitária como eu. Não adianta você tocar para caramba, se dedicar muito para a música, e ser um bosta. Sempre falo para meus alunos que as pessoas têm que querer estar com você. Cada um deve achar o seu caminho para isso, mas todos devemos trabalhar para sermos pessoas melhores.”
Assista, a seguir, Paulo Oliveira interpretando, com exclusividade para o Música em Letras, um novo arranjo que fez de “Autumm Leaves”, de Joseph Kosma (1905- 1969) e Jacques Prévert (1900-1977).